sexta-feira, dezembro 31, 2004

Graças a Leonard Cohen

Refogava o recheio do peru.
Lembrou dos mortos, da irmã distante.
Sentiu saudade de algo, mas não sabia o quê.
A árvore, com enfeites cafonas, tocava Jingle Bells,
O sobrinho brincava com o carrinho novo.
O vinho barato trouxe um choro barato.
O telefone tocou, a campainha soou e a cerveja gelou.
Separou os miúdos do peru de que não gostava.
E chorou, enquanto o papa rezava o galo
Em latim, atrapalhado pela tradução.
Teve raiva do ano, dos jornais, dos fracassos.
A mãe tinha missa, a avó tinha culto.
Pensou palavrões, defendendo-se das emoções.
E percebeu, assim, o porquê do choro.
Era isso.
Parou de cortar a cebola.
Enxugou os olhos.

E a vida seguiu.

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Deus está nos detalhes?

Na manhã de domingo as placas tectônicas do fundo do Oceano Índico moveram-se em até 30 metros, o que teria afetado até o movimento de rotação do planeta. Os dias teriam sido encurtados, a partir de domingo, em uma fração de segundo. Enquanto isso acontecia, Faye Wachs se refugiava, sem saber, no mais seguro dos locais: o Mar.

terça-feira, dezembro 28, 2004

Ele se mexeu. O monstro se mexeu.


Não sei. Às vezes acho que o mar não gosta da gente. Presto atenção ao movimento dele e parece que ele nos cospe de volta à terra, regurgitando corpos estranhos. Sempre que vejo um surfista remando mar adentro, e voltando depois numa parede de espuma, penso nisso. A gente tenta entrar, mas ele sempre nos devolve. Os surfistas são felizes. São os bicões que entram na festa escondidos, rumo aos fundos, mesmo sabendo que serão apanhados. Antes de escurraçados, porém, curtem um pouquinho. Tiram onda com a cara do mar, tomam tubos petulantes e deslizam sobre o seu topete espumante. O mar é talvez o que temos de mais bonito pra ver, mas mata. E precisamos dele, claro. Os gnus também precisam beber água. À beira do rio, ali, ao alcance do monstro. E o monstro não gosta da gente.

Talvez 30 mil tenham morrido ontem. É, o monstro pegou pesado.

O pior é que a natureza não se vingou. Deu só uma tussidinha.

Agora é chorar, reconstruir e esperar a próxima golfada.

segunda-feira, dezembro 27, 2004

Ôxi, mamãe...

E aquela belezinha dos flogs, de gorrinho natalino e boquinha sexy, pede, toda melancólica, abaixo de sua fotinho:

Gente, por favor leiam o que eu tenho a dizer.

O mundo é anti-Sprite.

Imagem é tudo.

sexta-feira, dezembro 24, 2004

No Shopping Center

- Pois não, senhor?
- Ehh... tô procurando um presente...
- Claro. E seria pra homem ou mulher?
- Homem.
- Olha, eu tô com essa blusa que chegou agora, lançamento...
- É que... acho que não é muito o estilo do cara, não.
- Ele tem alguma preferência? Camisa, calça, cinto?
- Não deve ser desses caras moderninhos, não.
- Olha, tem também essa carteira. Tá saindo muito.
- Acho que não, ele sempre diz que não gosta dessas coisas.
- Deixover... qual seria a idade dele?
- Aí é que tá, moça. São 2004 anos. O pior é que tão dizendo que ele
nasceu seis anos antes dele mesmo, pode?
- Como?
- Compliquei, né? É que a grana tá meio curta, sabe, e eu decidi não
dar nada pra ninguém esse ano. Só pra ele. Não é ele o aniversariante?
- [constrangida] Ehh... Bem...
- O problema é que ninguém sabe o gosto dele. E eu não quero arriscar
comprar algo que fique justo ou grande demais, sabe?
- hum-rum, hum-rum...
- Além disso, CD tá mais caro que roupa, né? E lá pras bandas dele
parece que já tem uma banda inteira, só de harpas e trombetas. Não vou
comprar esses discos de 9,90 chamados "A Harpa do Natal". É meio
que comprar vinho pra gente chique, sabe? Vai que eu levo porcaria...
- pois não, senhora...[atendendo outra cliente]
- Ei, moça. E aí, você não vai me ajudar?
- Infelizmente não sei como, senhor.
- Mas eu já te expliquei tudo. O cara é homem, solteiro, é velho e não
gosta de carteiras nem de roupas moderninhas...
- Faça o seguinte, senhor: dê de presente um vale-presente. Olha, tem
de 20, 30, 50, 100 e 200 reais. Você dá o vale de presente, e o seu
amigo vem aqui, escolher o que quiser. Fica mais fácil, não?
- É, gostei. Ele mesmo vem escolher o presente?
- ã-hã.
- Beleza, acho que ele vai gostar. Tudo bem que ele vai ter que vir ao
shopping, e você já sabe, né? Shopping Center e homem não combinam...
Bom, pelo menos ele não tem mulher pra deixar ele esperando na porta do
provador, de bolsinha no ombro, em silêncio, junto com os outros
maridos, coitados.
- Claro, senhora... e seria pra homem ou mulher?


Cartoon de Natal do Arnaldo Branco, do Mau Humor
Natal.

Obrigado, meu Deus.

Obrigado.

E volta logo. Você faz muita falta por aqui.

quinta-feira, dezembro 23, 2004

23 de Dezembro. Manhã de Chuva. 1999.

O teu jeito de dizer que me ama,
E o jeito de me defender de tudo.
O medo do escuro,
Depois do filme bobo,
E o jeito de dormir em segundos.

Os teus 30 tipos de riso,
E a tua elegância inata.
O teu cheiro, os sinais e as curvas.
O jeito como cruzas os pés nos meus
Na cama, debaixo do cobertor.

A tua vontade de ser feliz
E a admiração que inspiras
São minhas paixões.

Ao teu lado quero ser melhor,
Mais homem, mais maduro,
Só pra te acompanhar,
Querendo tua admiração,
Feito menino carente.

Gosto de te ver de longe,
Falando com as pessoas, rindo.
E de sorrir discreto, te admirando.

Queria cantar pra você,
E falar baixinho no teu ouvido,
Pra te roubar de novo aquele primeiro beijo.
Queria te conquistar com meus discos,
E ver de novo garçons levantando cadeiras, apagando luzes,
Nos deixando dançar Summertime,
Quase parados, entre mesas vazias.

Não quero muita coisa,
Não planejo muita coisa,
Quero apenas ser,
Pelo resto da vida, teu marido.

Eu te amo, Hellen.
Muito.
Muito, muito.
Mesmo.
Mesmo, mesmo.

terça-feira, dezembro 21, 2004

Ide e pregai, até os confins da Terra

Padre Sérgio Lúcio vai embora de Manaus.

Para Belém.

Milhares de empregos diretos e indiretos migram para o Pará.

Nosso Painho, que na língua dos arueu-auau significa “Aquele que Faz”, ora ainda lambendo feridas, fosse prefeito/senador/governador, macho que é, essa hora já estaria no Vaticano, de sobretudo, acompanhado por comitiva de 40 aspones, lutando bravamente pela manutenção dos incentivos paroquiais da Zona Franca Sacra de Manaus, depois de ter procurado a sede da CNBB, vazia e abandonada pelos arcebispos, ocupados, em Brasília, com os resultados da próxima reunião do Copom. Só voltaria com promessas firmes do velhinho de branco.

Mas voltará em 2006, terço suado na mão, com a brand new Zona Franca Cristã, o novo "Projeto da Minha Vida": devolver o pároco de São José Operário aos seus 50 mil discípulos. Custe o que custar, que ele não é leso, maninho. Já vejo as belezuras da Juventude Amazonista nos cruzamentos, adesivando Astras e Golfs com "O Negão é Fiel!" e fazendo Novenas VIP nos postos de gasolina, regadas a água benta que desce redondo.

E eu que teimo em ver motivações políticas em quase tudo o que a Santíssima Igreja faz.

A linha de produção de pessoas únicas

Eu preferia a época em que éramos todos reprimidos, uns sentimentais enrustidos. O medo de gostar, de chorar, de abraçar... As relações com os pais eram muito mais complicadas. Um abraço ou um “eu te amo, pai” eram coisa rara, de gente pra frente, o que era raro. Chamar os pais de "tu" era coisa apenas dos meus vizinhos cariocas, que emprestavam pro pai camisetas da Quebra-Mar. Eu preferia a reverência das antigas. Hoje todo mundo se ama, se adora. Aliás, se dóla. A despeito do alarde que se faz à modernização das relações, é tudo polarizado demais. Ou se ama ou se odeia tudo. Ninguém mais tem meio-termo, e ficou feio não ter opiniões formadas sobre tudo. Fissão nuclear? eu adoro. A anorexia da princesa da Suécia ou os cuidados extremos com os pandas albinos da China? Detesto, acho um ó.

Dizer "eu te amo" não tem mais o mesmo efeito. A balada do fundo sumiu, a brisa não sopra mais nos cabelos, o olhar e o beijo que se seguem não ficam mais em câmera lenta. Amar é o primeiro estágio de qualquer relação, e odiar também. Beijo de língua virou cumprimento, e todo mundo se dóla se os primeiros dois dias de qualquer relação forem amistosos. Titubear nos julgamentos é não ter personalidade forte, o que todos, absolutamente todos têm hoje em dia. Sou aquele filho à moda antiga, ainda chamo de "senhora" a mãe. Odeio poucas coisas e pessoas. Sim, odeio, e isso é saudável, seguidores dos mantras paraguaios do Dalai Lama. Mas o meu ódio e o meu amor têm mais sustança. São da época em que um "Eu te odeio!" vinha depois de anos de uma relação difícil com o pai, com um irmão, com a mãe. Geralmente eram o clímax do folhetim da vida real, quando ainda havia "cenas do próximo capítulo".

Amar e odiar estão na moda. No sentido ruim, mesmo.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

E é esse povo que tá in charge agora

Durante quase dois anos Alexandra Pelosi, jornalista da NBC, acompanhou o então governador do Texas em sua campanha à presidência. Com uma câmera de mão, filmou e entrevistou Bush e seus assessores. As imagens e entrevistas viraram "Journeys with George", um documentário que mostra um Bush simpático, galanteador, piadista e... só. A certa altura, Alexandra, sentada a seu lado no avião, pergunta:

- Por que eu, uma democrata, liberal, deveria votar no senhor?
- Porque vai ser melhor pra você.
- É por isso?!
- Sim, é por isso.

Bush canta a jornalista, faz caretas para a câmera, provocando risadas de seus assessores e rebate habilmente questões mais espinhosas, sempre com uma piadinha, seguida das atentas e ágeis risadinhas. Bush prova também que os americanos gostam de moleques riquinhos, farreiros e bêbados, contanto que eles tenham cojones pra admitir isso, até com certo orgulho. Se Nixon quisesse, teria admitido seus erros. Tornaria-se queridíssimo. Pois é.

A HBO comprou o filme e o lançou. A crítica detestou. Disse que o filme é superficial demais, sem conteúdo algum. Alexandra ficou contente, e disse:

- Que bom, porque ele é exatamente sobre isso: algo que não tem conteúdo algum.

sábado, dezembro 18, 2004

O charme internacional da 'baianada'

Fernando Henrique, o príncipe, teria sido grampeado clandestinamente durante as negociações para a privatização da Telebrás. Àquela época surgiram nomes, rumores, boatos, intrigas e investigações. E muito se falou sobre ela, a tal Esquerda, que estaria por trás dessa violência absurda à madura e consolidada democracia de mentirinha nacional. O efelentífimo Lula, o pau-de-arara semi-analfabeto que teima em causar azias nas olavetes de plantão, parece ter sido grampeado, junto com Jaques Chirac, enquanto esteve na sede da ONU, em Nova Iorque. A sala supostamente grampeada foi também usada por Colin Powell e Kofi Anann durante as vésperas da invasão do Iraque. Deduzindo, brasileiro orgulhoso que sou, só posso dizer que foi atrás de Lula e de sua proposta de combate à fome mundial que os meliantes estavam. Quem são Chirac, Powell e Anann?!

Apesar de todas as petices de sua corte, Lula mantém as rédeas do governo, sabiamente tomando para si certas decisões que caberiam aos 'ches' do partidão, não aquele, o PT mesmo. Os indicadores são lindos: superávit lá em cima, artificialmente ou não, desemprego em queda, produção industrial e agrícola nas alturas, exportações deslanchando, etc.

FHC e suas tietes, contrariados, torcem o nariz. Chamam de incompetente o governo que segue sua cartilha e partem para as frases de efeito acadêmicas. Inveja maior deve sentir, ele, FHC, de mais esse sucesso do efelentífimo. Ele, FHC, foi grampeado aqui mesmo, no Bananão, sobre assuntos domésticos, sem charme, sem sotaque sorbonês. O torneiro não. Foi grampeado com um avançadíssimo sistema de escuta de fabricação européia (quem sabe russa) enquanto talvez dividisse garrafas de Romanés Contis com o Chirac, simpatizante do terrorismo islâmico, como se sabe. Isso tudo sem falar um 'ai' em americano. As olavetes se mordem nos dormitórios das universidades européias, decerto.

Mas Lula, provavelmente sem mesmo saber, segue a marcha triunfal da pobreza terceiro-mundista de sucesso. Meses atrás já havia lotado, monoglotamente, o auditório da London School of Economics. Provavelmente para desespero de Diogo Mainardi, que por lá esteve, se preparando para a nobre missão da elite intelectual brasileira (desculpe a expressão de baixo calão) de desconstruir - ui - os mitos da massa incauta brasileira, a saber: Lula e Gilberto Gil.

FHC disse certa vez que a Esquerda brasileira é burra. Concordo. A Esquerda brasileira é aquele chapéu com orelha de burro que se 'vestia', como castigo, nos alunos desordeiros de certas escolas. Não tem dono, o chapéu. O príncipe agora bate os pezinhos, esperneia e xinga, como todo malfazejo castigado pela professora. Ainda não percebeu o chapelão em sua cabeça.

Diriam as pretensamente mais virulentas e 'de-verdademente' inócuas línguas da yuppiezada brasileira: tenho vergonha dessa gente. A esquerda segue burra, mas agora fala inglês, my friend. Lula responderia, com seu americano more-or-less, e eu morreria de rir, com certeza: big shit, companheiro. A ONU tem fones de ouvido pra me traduzir, mané.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

Numa manhã de más novas

As campanhas contra a fome, governamentais ou não, estão se tornando nichos de privilegiados, onde frescuras como a falta de comida são bobagens. Afirma o IBGE que há mais gente 'sofrendo' de excesso de comida no país do que gente gemendo de fome. Decerto surgirá quem diga que passar fome no país é um luxo, 'coisa pra poucos'.

What a wonderful world. Uma metade passa fome, a outra faz regime.

terça-feira, dezembro 14, 2004

Por que não me orgulho dos polegares opostos

Você sabe qual o dia, no ano inteiro, em que ocorrem mais mortes?

O Natal.

Um estudo americano revela que o Natal é a data com o maior número de mortes do ano, excluídos os suicídios, assassinatos e acidentes. Os americanos simplesmente se recusam a ir aos hospitais pra não perder as festas.

Eis um dos porquês d'eu invejar as árvores.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

A Marta Registrada de São Paulo


Imelda Marcos: Somos auto-suficientes nisso

Marta Suplicy perdeu eleição. Abandonou a cidade com seus túneis inacabados, alagados pela chuva, seus CEUS com funcionários sem salário e alunos sem farda, 2 bilhões em dívidas não pagas e com o Tesouro Nacional batendo à porta, pra sequestrar o que foi sonegado do Governo Federal.

Foi a Milão, coberta de jóias e laquê, para a reabertura do Teatro Alla Scala, a meca da Ópera.

Eu não consigo lembrar de algo mais legitimamente paulistano do que a Marta, véio. Nem o filho, nem os maridos - os dois -, que perdem, tipo assim, por muito pouco.

sexta-feira, dezembro 10, 2004

Welcome to the jungle, baby

Alfredinho Valois

Domingos Chalub, o menos votado na eleição para a última vaga de desembargador no Amazonas, é o novo desembargador. Félix Valois, o mais votado, sequer teve o nome incluído na lista de três enviada ao governador. Motivos? Não faço idéia, mas com certeza são os mais nobres, elevados e autruístas que se pode imaginar.

Alfredo Valois, filho de Félix, publica carta aberta ao pai no jornal A Crítica, falando do orgulho de ser seu filho e reclamando da injustiça cometida contra o pai, o mais votado pela classe. Ressalta, magoado, que o Legal foi o escolhido, em detrimento do Justo. Bonito, bonito.

Ué, Alfredinho, você, filho de macaco velho, ainda não sabia que a Justiça funciona assim?!

quinta-feira, dezembro 09, 2004

Vin Diesel vai bombar!


Rumsfeld e Bush pedem ajuda (rárárá) à OTAN, mas os europeus não pretendem mandar seus soldados pra limpar a cagada dos outros. Nesta quarta os soldados americanos, que já não andam tão patriotas quanto antes, partiram pra cima do Pato Donald, reclamando da falta de homens, de armas inadequadas e do tempo de permanência no Iraque, que foi prorrogado. Os cruzados de Bush, que há dois anos dariam a vida pela Liberdade e pela Nação, agora esperneiam ao saber que vão ter que ficar mais tempo disparando liberdade e democracia pra cima dos traiçoeiros civis iraquianos.

Sou só eu ou mais alguém já consegue imaginar a enxurrada de dramas de guerra que invadirá Hollywood daqui a alguns anos? Bom, sejamos razoáveis, já era hora de os cineastas americanos largarem a carniça do Vietnã.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Yes! Мария Шарапова!

O mundo está cheio de horrores
de tragédias e terrores
e gente de má fuça.
Mas de vez em quando aparece
cada tenista russa!

Os versinhos são dele,
o LFV, na série Poesia
Numa Hora Dessas.

Esta é a Sharapova,
mas há Kournikovas,
Bulovas,
Wiborowas...

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Para Luciana. Para Amaury.

Eu costumava achar que as pessoas eram eternas, e por isso as deixava na minha prateleira da sala, enfeitando a estante da minha vida. Sempre lustrada, impecável, mas uma prateleira. Agi assim, fria e casualmente, até que amigos morressem sem um abraço, sem um beijo. Há coisas que nunca mais poderei dizer e beijos que nunca mais poderei dar em pessoas que caíram daquela prateleira, sem que sequer eu estivesse perto.

Hoje sou diferente, e devo isso, além de aos tombos e bênçãos dessas três décadas, a duas pessoas belíssimas, com as quais tenho dividido saúde e doença, riqueza e pobreza, alegria e tristeza. Sou quase sempre a imagem insondável do silêncio, e por isso talvez eles não saibam quanto eu os amo. E eu os amo, muito. Em cada riso, em cada abraço, em cada beijo, em cada olhar, em cada tristeza e em cada dor, eu os amo. Nela amo a curiosidade patológica, a inteligência afiada, a frieza com que rouba no jogo, aquele ar de patricinha cínica, que esconde o mulherão que ela é, ao mesmo tempo poderosa e manteiga derretida. Nele amo a afinação única com que canta cada música do acervo mental absurdo que tem, a paixão com que fala de política e de Jorge Amado e o carinho e generosidade com que fala dos amigos. Nele amo as “tiradas” de mestre, o humor ferino e a sinceridade dos beijos amigos quando o abraço. Neles amo a cumplicidade, o amor, a amizade os até os vícios. Neles amo as pequenas e as grandes coisas, mas acima de tudo as pessoas que são.

Amanhã, numa bela duma sexta-feira de dezembro, eles se casam. Inauguram o primeiro ano do resto não só de suas vidas, mas de todas as nossas, os amigos, os irmãos, os pais e os filhos que ainda teremos. A partir de amanhã nos tornamos mais homens, mais mulheres, mais adultos, e as coisas de menino ficarão um pouco mais pra trás. Terão filhos que brincarão no meu quintal e sentarão no meu colo. Carregarão os meus filhos na loja de brinquedos, fazendo-os pedir o mais caro dos carrinhos de controle remoto. Reclamarão de dívidas e dividirão prazeres. Brigarão por toalhas molhadas e chaves perdidas e como todos os casais, sem perceber vão trocar a seção de CDs da loja pela seção de móveis. Recusarão, prazerosos, as madrugadas ébrias, pra curtir a casa, os filhos, o edredon e o DVD.

Eu sei, e como é bom saber que vai ser assim.

A partir de amanhã eles serão mais felizes.

E eu também.