quinta-feira, janeiro 12, 2006

Bad, bad profile...


Lembra quando você descobriu que precisava, a bordo de botes de borracha, impedir que cachalotes fossem arpoadas por navios pesqueiros japoneses, se quisesse aquela vaga de trainee naquela multinacional? Lembra quando descobriu que precisava dar sopinha na boca dos velhinhos do asilo – e tirar fotos disso – para concorrer, com melhores chances, àquela posição de estagiário naquele banco holandês? Esqueça. Assim como curso universitário deixou de ser plus e virou pré-requisito básico pra no currículo, agora o importante é ter o Orkut bonito.

Não entendeu? Pois se apresse: reza a cartilha do bom aspirante a assalariado que estar antenado é tudo, e se você ainda não sabe disso, vá se preparando para ouvir um “obrigado, nós vamos estar entrando em contato com você brevemente”. Seguinte: além de toda aquela filantropia pra cumprir currículo, agora é necessário tomar cuidado com o que há no seu perfil no Orkut, aquele portal de relacionamentos da Internet, com 13 milhões de usuários no mundo, sendo 9 milhões deles brasileiros, esse povo tão ligado à Internet, essa ferramenta tão importante à evolução humana.

Aquela revista semanal que odiamos amar traz uma espécie de manual do orkuteiro desempregado, com dicas valiosas como “evite ter fotografias em situações constrangedoras, com roupas íntimas ou bêbado em festas”, “evite estar cadastrado em comunidades com assuntos tolos, como ‘bebo até cair’ ou ‘assisto a todas as novelas da TV’”, ou ainda “tenha uma ampla rede de amigos. Isso indica sociabilidade” e “colecione depoimentos de amigos com comentários elogiosos”.

Sem que o candidato saiba, as empresas andam espionando sua vida pessoal, atrás de traços individuais como “Adoro ouvir música evangélica no trabalho, e canto junto” ou comunidades do tipo “Eu odeio meu chefe”. Gente boa – e desantenada com as modernas técnicas de RH, viu? – já deve ter perdido cargos de gerência por causa de comunidades como “Detesto acordar cedo” ou “Sou fissurado em explosivos plásticos”. A pretensa questão ética levantada pela revista polariza as investigações orkuteiras, feitas pelas empresas, e a opinião de alguns especialistas em recrutamento, que discordam de quem faz isso. De um lado, as empresas não resistem a dar uma “espiadinha” nas fotos e na página de recados dos candidatos. No outro lado os especialistas, que vêem o perigo dos perfis falsos e das vinganças pessoais. O que garante, à empresa espiã, que aquele perfil depreciativo, de participante de comunidades como “Esse ano tem copa, vou falsificar atestado”, foi mesmo criado pelo candidato à vaga?

Todo brasileiro tem o seu Orkut. Eu tenho meu. Não o visito muito, é verdade. Entro uma vez por semana, recebo umas florzinhas e uns palhacinhos com mensagens de “Bom final de semana!!!!!!”, “Feliz 2006!!!!” e “Passei só pra dar um Oi!!!!!”, e então saio. Não tenho tesão em reencontrar amigos da escola, cheios de filhos e de quilos a mais. Não tenho tesão em “conferir” comunidades com nomes engraçadinhos. Nada contra quem usa muito, não sou daqueles raivosos que acham fútil viver de dar “ois”, “tchaus” e “bjus”. Só não curto a parada.

Mas tudo mudou. O Orkut é mesmo uma dessas maravilhosas peculiaridades nacionais, como o cheque pré-datado, o direito constitucional ao primeiro assassinato e a capacidade de rir – e apenas de rir – da própria desgraça. Eu, relapso usuário dessa imprescindível ferramenta da vida moderna, vou precisar rever meus conceitos e dar uma atualizada no meu perfil. Desde já peço aos amigos, as centenas de incautos que receberão meu convite ainda hoje, que falem de mim, dêem seu testemunho camarada. Sei lá, falem da minha paixão pelo sucesso, do meu jeito atencioso de ser, daquele urso panda gigante que salvei quando viajei a Pequim, coisas do gênero.

Não participo de comunidades “Abro firma pra poder receber salário, mas depois meto na justiça” ou “Curto fazer xixi escondido no sofá do escritório”, mas isso já não basta. Neste mundo do trabalho, aliás, nada basta. Vou criar comunidades mais, digamos, adequadas às expectativas das empresas, como “Salário pra quê?”, “Adam Smith e Jack Welch são Deus e Jesus pra mim”, “Topo tudo por uma marmita”, “Recrutadores são sexy”, “Odeio minha mulher e meus filhos”, “Adoraria trabalhar no Uzbequistão”, “Eu Amo Receber pelo Bradesco” e “Sou ostomizado, não preciso de banheiro”.

Agora é esperar que milhares de paulistas me adicionem como amigo, aceitar os convites, claro (lembra do mandamento da sociabilidade, aí acima?), criar minhas comunidades e fazer umas fotos de escritório, de caneta na orelha e preferencialmente sendo aplaudido por líderes sindicais cativados pelo meu carisma. De quebra, vou mandar, pros murais de recados dos milhares de amigos que vou ter, uns peixinhos e ursinhos, feitos de caracteres, formando a frase “Falsifico licenças de Windows em troca de vales-transporte”.

Aguardem, finalmente meu Orkut vai bombar.