Conversava, sábado, com um grande amigo que havia tempos não dividia um chope comigo, e me fez um bem danado poder conversar em vez de apenas bater papo. Não aceito que a minha irritabilidade com a conversa fiada seja encarada como simples arrogância, até porque sou péssimo pra conversar conversas pretenciosas.
Mas surgiu a oportunidade de me explicar sobre algo que provavelmente me fez parecer frouxo, nesse nosso mundo de machos e pessoas genuínas e cabeças-feitas, em que as paradas gay ficam cada vez maiores e a burrice cada vez mais arrogante.
Um amigo austríaco que acabara de chegar ao Brasil, com toda aquela bagagem cultural da banda de lá do mundo, numa reunião à brasileira, regada a carne mal cortada e muita, muita cerveja, foi grosseiro com a minha esposa e constrangeu a patota toda. Esperei o susto passar, o mau estar se esconder em mais latinhas e em discos mais alegres, e fui até a cozinha conversar com ele e tirar aquilo a limpo. Ele me pediu desculpas, à minha esposa, e disse que não havia percebido a grosseria. Ok, assunto encerrado.
Depois fiquei com aquela sensação de que as pessoas não gostam disso. Preferiam que eu me levantasse na hora e, aos berros, me indispusesse com o gringo, que precisava de uma lição de Brasil.
Mas expliquei para o meu amigo que, na minha forma covarde de pensar, muita gente boa deixa de criar elos e amizades com mais gente boa por causa dessa obrigação que temos hoje de "ser assim". O "sou assim" é aquela história de Big Brother: todos pessoas de cabeça feita, opiniões formadas, que dizem pras câmaras "É assim que sou, falo na cara, sou autêntico, goste você ou não!". Assim, com o ponto de exclamação como item obrigatório dessa nova forma de ser autêntico.
Quando você se acha completo, correto e impermeável, nada vai surgir do encontro com alguém que pense sobre si as mesmas coisas. Mas acredito que, mesmo que você discorde do outro, sempre há uma forma de convencê-lo sem exclamações ou estardalhaço. E eu gosto de silenciar gritos com os 45 decidéis dos humanos démodé como eu. Pelas experiências dos conflitos que tive (acho que uns 4 em trinta anos), isso sempre funcionou.
Hoje o gringo é um bom amigo, que me agradece pela tradução entre a cultura de lá e a de cá. Ficamos mais próximos, trocamos mais idéias, e ele nunca mais levantou a voz pra dizer que "Em Áustria somos assim!".
Por estarmos todos com os nossos pontos de exclamação sempre na ponta da língua, perdemos ótimas oportunidades de criar vínculos. Ainda tenho fé de que um dia se perceba que caminhamos todos para um mundo de pessoas inteligentes, de personalidade forte, autênticas, genuínas, perspicazes e "de atitude", todas solitárias. Sei que essa é uma fé obscura, mas já que vivemos num mundo onde ter fé é certidão negativa de mau caráter, essa é a minha. Aliás, uma das minhas. Se você quiser me convencer do contrário, vamos tomar uns chopes. Mas, por favor, não grite.
Eu sou um adepto das reticências e dos pontos seguidos. Tenho meus rompantes e minhas exclamações - claro! -, mas eles estão guardados para as situações extremas, não pra fazer fita e sair de "cabôco porreta". Aqui, no Amazonas, somos muito confundidos com gente besta e passiva. Que bom, dizem que esse é o nosso charme. Pena que estejamos, como sempre, querendo ser como as celebridades do Big Brother, com os seus "Eu destesto isso! Eu amo aquilo!".
Acho que foi Deus, no maior dos best-sellers, que disse ao homem: sejas quente ou frio, não sejas morno, porque senão te vomito. Ele falava de fé, da entrega do homem ao evangelho. E nem Ele, o Todo Poderoso, usou o ponto de exclamação.
Hoje, vendo tanta gente repetir isso com não uma, mas três exclamações seguidas na vida cotidiana, me entristeço. Deus falava de fé. Nós falamos das roupas, do jeito de sentar do outro, do jeito de falar do outro, da cultura do outro.
Eu não. Eu sou frouxo, graças a Deus...