terça-feira, dezembro 21, 2004

A linha de produção de pessoas únicas

Eu preferia a época em que éramos todos reprimidos, uns sentimentais enrustidos. O medo de gostar, de chorar, de abraçar... As relações com os pais eram muito mais complicadas. Um abraço ou um “eu te amo, pai” eram coisa rara, de gente pra frente, o que era raro. Chamar os pais de "tu" era coisa apenas dos meus vizinhos cariocas, que emprestavam pro pai camisetas da Quebra-Mar. Eu preferia a reverência das antigas. Hoje todo mundo se ama, se adora. Aliás, se dóla. A despeito do alarde que se faz à modernização das relações, é tudo polarizado demais. Ou se ama ou se odeia tudo. Ninguém mais tem meio-termo, e ficou feio não ter opiniões formadas sobre tudo. Fissão nuclear? eu adoro. A anorexia da princesa da Suécia ou os cuidados extremos com os pandas albinos da China? Detesto, acho um ó.

Dizer "eu te amo" não tem mais o mesmo efeito. A balada do fundo sumiu, a brisa não sopra mais nos cabelos, o olhar e o beijo que se seguem não ficam mais em câmera lenta. Amar é o primeiro estágio de qualquer relação, e odiar também. Beijo de língua virou cumprimento, e todo mundo se dóla se os primeiros dois dias de qualquer relação forem amistosos. Titubear nos julgamentos é não ter personalidade forte, o que todos, absolutamente todos têm hoje em dia. Sou aquele filho à moda antiga, ainda chamo de "senhora" a mãe. Odeio poucas coisas e pessoas. Sim, odeio, e isso é saudável, seguidores dos mantras paraguaios do Dalai Lama. Mas o meu ódio e o meu amor têm mais sustança. São da época em que um "Eu te odeio!" vinha depois de anos de uma relação difícil com o pai, com um irmão, com a mãe. Geralmente eram o clímax do folhetim da vida real, quando ainda havia "cenas do próximo capítulo".

Amar e odiar estão na moda. No sentido ruim, mesmo.