quinta-feira, dezembro 02, 2004

Para Luciana. Para Amaury.

Eu costumava achar que as pessoas eram eternas, e por isso as deixava na minha prateleira da sala, enfeitando a estante da minha vida. Sempre lustrada, impecável, mas uma prateleira. Agi assim, fria e casualmente, até que amigos morressem sem um abraço, sem um beijo. Há coisas que nunca mais poderei dizer e beijos que nunca mais poderei dar em pessoas que caíram daquela prateleira, sem que sequer eu estivesse perto.

Hoje sou diferente, e devo isso, além de aos tombos e bênçãos dessas três décadas, a duas pessoas belíssimas, com as quais tenho dividido saúde e doença, riqueza e pobreza, alegria e tristeza. Sou quase sempre a imagem insondável do silêncio, e por isso talvez eles não saibam quanto eu os amo. E eu os amo, muito. Em cada riso, em cada abraço, em cada beijo, em cada olhar, em cada tristeza e em cada dor, eu os amo. Nela amo a curiosidade patológica, a inteligência afiada, a frieza com que rouba no jogo, aquele ar de patricinha cínica, que esconde o mulherão que ela é, ao mesmo tempo poderosa e manteiga derretida. Nele amo a afinação única com que canta cada música do acervo mental absurdo que tem, a paixão com que fala de política e de Jorge Amado e o carinho e generosidade com que fala dos amigos. Nele amo as “tiradas” de mestre, o humor ferino e a sinceridade dos beijos amigos quando o abraço. Neles amo a cumplicidade, o amor, a amizade os até os vícios. Neles amo as pequenas e as grandes coisas, mas acima de tudo as pessoas que são.

Amanhã, numa bela duma sexta-feira de dezembro, eles se casam. Inauguram o primeiro ano do resto não só de suas vidas, mas de todas as nossas, os amigos, os irmãos, os pais e os filhos que ainda teremos. A partir de amanhã nos tornamos mais homens, mais mulheres, mais adultos, e as coisas de menino ficarão um pouco mais pra trás. Terão filhos que brincarão no meu quintal e sentarão no meu colo. Carregarão os meus filhos na loja de brinquedos, fazendo-os pedir o mais caro dos carrinhos de controle remoto. Reclamarão de dívidas e dividirão prazeres. Brigarão por toalhas molhadas e chaves perdidas e como todos os casais, sem perceber vão trocar a seção de CDs da loja pela seção de móveis. Recusarão, prazerosos, as madrugadas ébrias, pra curtir a casa, os filhos, o edredon e o DVD.

Eu sei, e como é bom saber que vai ser assim.

A partir de amanhã eles serão mais felizes.

E eu também.