sexta-feira, junho 23, 2006

Entre meninos e homens


Nunca consegui entender como um homem consegue suportar o choro de uma criança, a bagunça com seus discos, a gritaria da beira da piscina, o pânico de um filho machucado, a obrigação de buscar e deixar na escola, reunião de pais, preocupação com drogas, companhias, festinhas, dentes nascendo, dentes quebrados, arranhões, galos, feridas, catapora, sarampo, papeira, vermes.

Nunca compreendi como um marmanjo consegue suportar um carro cheio de brinquedos, restos de pipoca, cadeirinhas, embalagens de biscoito e toalhas de natação molhadas. Sunguinhas encharcadas, então, embrulhadas em quimonos de judô, escondidos sob o banco... Como pode um homem suportar...

Eu tinha dó daqueles homens de barba mal-feita na fila da pipoca no cinema, fazendo malabarismos com baldes de refrigerante, barras de chocolate, sacos de pipoca e duas crianças histéricas lhes puxando as calças, uma por uma caixa de jujubas, outra por um saquinho de M&Ms. Enquanto eu tomava meu chope, os via inexplicavelmente sorrindo, sem mãos para sequer arrumar os óculos. Enquanto entrava com minhas compras (CDs) no meu carro compacto, no estacionamento do shopping, via sedans e vans estacionando, de onde saíam casais de zumbis – sorridentes – e uma turba de pequenos tornados, seres gritantes e famintos, entediados com uma viagem de 10 minutos, atravessando a rua sem olhar pros lados, puxando cabelos entre si.

Tinha pena do sono perdido, do salário se esvaindo em cadernos e remédios. Pena do anoitecer de sexta, numa fila de locadora, procurando desenhos animados, enquanto amigos solteiros afrouxam a gravata e combinam o chope. Pena da atenção às notas, ao termômetro, ao dever de casa. Pena da espera, no sofá da sala às duas da manhã, pelo filho que saiu com amigos, pela filha que saiu com o namorado...

Agora caminho para tudo isso, inexplicavelmente calmo. Talvez meu coração não veja o cansaço daqueles homens. Talvez enxergue apenas o sorriso que não lhes sai dos lábios.

O sorriso cansado e bobo dos homens felizes.


O Estado do Amazonas, 24 de junho de 2006