quinta-feira, junho 08, 2006

Preciso de um pseudônimo, urgente!


Decidi, vou escrever um livro. Foi ontem, na fila do pão. Ou terá sido enquanto afivelava o cinto de segurança? Enfim, foi num daqueles momentos entre o troco da padaria e a puxada na alavanca do pisca-pisca. É mais provável que eu já estivesse virando a esquina, onde pequenos grupos de estudantes secundários se paqueravam, sob a penumbra, com as solas dos tênis nas paredes. Sim, foi ali, no momento em que eu me imaginei comprando pão e leite – e um doce pro meu filho.

Então tentei, enquanto procurava uma estação com música brasileira no rádio, pensar num esquema, no esboço de um roteiro, nas características dos personagens. Concordei com o pensamento que veio logo a seguir, como as primeiras bolhas de ar que sobem à tona num mergulho, grandes, brilhantes e cheias de vento: era necessário descrever cenários meticulosamente, de preferência com metáforas como essa das bolhas de ar. Era preciso traçar as pequenas nuances do cotidiano, como os pés dos colegiais no muro. Sim, eu tive essa certeza, todinha, enquanto aguardava, tamborilando os dedos no volante do carro ao som de João Bosco, aquele clique oco, como o de uma pequena pedra numa caixa de alumínio, que apagaria a lâmpada vermelha e me deixaria seguir. Sim, essa metáfora meio longa demais foi sobre o esperar do sinal verde.

Pois bem, cheguei em casa e, todo protetor, chequei as trancas do carro, chacoalhei as orelhas das minhas cadelas e senti, em silêncio, que o pão já estava apenas morno, dentro do saco marrom-ocre de papel. Joguei as chaves, que tilintaram no braço do sofá, uma sobre a outra, e imaginei, novamente, meu filho reconhecendo a minha presença, daqui a alguns anos, ouvindo a mesma espécie de ruído gostoso. Liguei o computador e lembrei da disciplina dos grandes escritores, enfurnados em seus escritórios enfumaçados, em suas escrivaninhas de mogno, entre notas, canetas, lapiseiras, um cinzeiro cheio e uma tela em branco bem à sua frente.

Pra dar sorte, acendi também um cigarro, que estalou diante dos meus olhos, o fumo prensado cedendo à fúria insensata da chama e à minha vontade de escrever um grande livro. Aqui vou eu, como a mocinha do filme de terror, que não liga para a platéia e segue adiante, no corredor escuro da mansão assombrada, rumo ao desconhecido. Estou neste exato momento procurando por sites que ensinem a escrever livros. Os vejo em breve, na minha tarde de autógrafos, fingindo lembrar o nome de todos vocês, com um sorrisinho amarelo e uma caligrafia imponente, onde escreverei coisas como “pro irmão de ótimas conversas” ou “para uma mulher que admiro muito”.

Um grande beijo do Ismael.

Desejem-me sorte.