Há corruptos inclusive na Finlândia. Talvez os finlandeses nutram macabra curiosidade por pessoas com esse tipo de desvio de caráter, mas há. Há, até que sejam pegos. Muito da leniência institucional que causa o Nada em que os escândalos brasileiros se transformam se deve a coisas intangíveis, como o medo da instabilidade econômica, que apredemos, recentemente, a temer - com a graça de Deus-Pai. Deduz-se que, com um ministro de economia de pé, os investimentos externos estejam garantidos.
Eu chamaria isso de "O Grande Conchavo Nacional", uma mansidão moral baseada no medo Keynesiano de se perder regalias - nesse caso, o arroz, 6% mais barato, graças à tal Estabilidade, à confiança externa em nossas instituições democráticas e comerciais.
Há quem imagine, e se orgulhe disso, que o Brasil é rico, mas tão rico, que consiga, só por isso, sobreviver aos saques bilionários que sofre. Essas pessoas têm essa visão ignorante e cínica porque esforçam-se, sem chance de trégua, para não dependerem da ponta em que o dinheiro não chega, os consultórios e farmácias do SUS, a pobreza tradicional do ensino primário e médio.
O profundo silêncio das ruas é como o silêncio de um refeitório de caserna, no qual milhões de esfomeados são calados e distraídos por uma concha de feijão, duas colheres de arroz, umas rodelas de pepino e um bife cheio de colorau, enquanto se lhes roubam a dignidade. Hoje temos mais comida, e comida mais barata, à mesa. Hoje temos investimentos externos garantidos pelo espírito ordeiro e tímido com que nos deixamos ser assaltados.
Eis o nosso preço, um prato de comida. Um preço diferente do preço que se paga na Helsinke, com certeza, onde desenvolvimento não é presente alheio, moeda de troca, passaporte para o assalto. Somos diferentes, isso não é novidade. Não é de hoje, afinal, nossa tradição de estabilidade política já tem quase década.
Um país cuja tolerância ao banditismo político é flexível, é flexível.
Moralmente flexível.
O Estado do Amazonas, 8 de junho de 2006.