domingo, junho 18, 2006

O Complexo de Bichon-Frisé


Nelson Rodrigues disse que, com as vitórias nos mundiais, o Brasil definitivamente se livrara do “Complexo de Vira-Lata”. Como em tantas outras vezes, Nelson estava certo. O Brasil perdeu o complexo de pobre. Ótimo. Perdeu a vergonha de ser vira-lata. Que pena.

O Brasil é um time que não é time. Um retalho de belezas e feiúras, de habilidades e de defeitos, de qualidade e de preguiça, de dom e de desleixo, como é, afinal, o Brasil. Feito de donzelas, de socialites emergentes e de ex-favelados mal-criados. Mal-criados pelo paparico, pelo ôba-ôba de uma imprensa frívola, que não é dada a cobertura, mas a tietagem, sem crítica, sem coragem e sem apego à notícia. Um time feito de brasileiros natos, feitos não mais de vira-latas.

Esse é o timeco brasileiro, um vira-lata antes sarnento e apaixonado, que desacostumou-se aos restos misturados de baião-de-dois, lasanha com catchup e feijoada da infância. Feito de ex-moleques boleiros da periferia, novos ricos, garotos de condomínio fechado, queixando-se da devoção tática do adversário em defender-se. Vejo as justificativas: “o adversário se defendeu demais”. Vejo um dream-team de araque, acostumado a vencer apenas seleções menores – sem expressão, como gostam nossos cronistas.

Hoje viajamos rumo à Copa fazendo batucada no ônibus, no avião e no treino, num fingimento supérfluo de quem quer convencer o mundo de que a idéia é jogar com alegria, ganhando dinheiro com ingressos para treinos. Não, não fazemos batucada por alegria. Rimos, brincamos e cantamos por soberba, vaidade, como querendo mostrar que, mesmo sem estudar durante todo o bimestre, somos moleques superdotados, vamos arrebentar nas provas assim mesmo.

Foi bom enquanto durou, e isso foi há décadas, quando éramos realmente superdotados, mas quando ainda comíamos baião e macarrão quebrado. Fomos gênios, mas foi naquele tempo, quando éramos aplicados, quando usávamos chuteiras que já conheciam o nosso suor. Éramos gênios, mas não somos mais.

O futebol em preto-e-branco acabou, o romantismo acabou. Estourar bolas de chiclete no fundo da sala é promessa de sufoco no fim do bimestre - quando não reprovação. Certamente é por isso que assistimos, incomodados, a gana argentina de passar de ano com antecedência, somando notas 10 em provas difíceis, enquanto vamos assim, tão brasileiramente deixando o sufoco para o fim.

É claro, é futebol, podemos ser campeões mesmo assim. Como já fomos antes, ganhando de zero a zero em 94, e entregues à missão pessoal, ao desejo de revanche pessoal de um artilheiro em 2002. É futebol, podemos ser campeões. Como já fomos antes, como passamos de ano, durante esses anos todos, mesmo de recuperação. Seremos hexa, como terminamos o colegial, aos trancos e barrancos, “perigando” reprovar até em geografia e religião. Podemos sim, ser seis estrelas no futebol. Da mesma forma que na sala de aula, passando de ano sempre, sem aprender muita coisa.

Não sofremos mais do “Complexo de vira-lata”.

Padecemos, sim, do “Complexo de Bichon-Frisé”.