PREDADORES
Numa região governada por uma “elite mercenária”, depois das festas, “a vida volta ao seu martírio”, diz Milton Hatoum.
Hoje um dos mais importantes escritores brasileiros, Milton Hatoum nasceu e passou a maior parte da sua vida em Manaus. Em 1999, pediu demissão da Universidade Federal do Amazonas, onde lecionava, e mudou-se para São Paulo. “Queria sair de um lugar que estava me deprimindo”, explica Hatoum, que considera a Amazônia um “Jardim do Éden” governado – sobretudo no caso do Amazonas – por uma elite “incompetente e mercenária”. Prestes a lançar o romance Vila Amazônia, Hatoum falou a CartaCapital sobre os problemas da região.
CartaCapital: Por que a vida em Manaus era deprimente?
Milton Hatoum: Manaus virou um monumento de viadutos e edifícios, a caricatura de uma modernidade manca. O Amazonas é um estado rico, graças à Zona Franca, mas as condições de vida da população são tenebrosas. Do ponto de vista político e social, eu vejo avanço em todo o Brasil, menos lá. Enquanto outros estados, como o Pará e o Amapá, passaram por mudanças políticas, o Amazonas é dominado pelo mesmo grupo há décadas. Trata-se, com honrosas exceções, de uma elite incompetente e mercenária, composta por gente de lá mesmo e por aventureiros vindos de outras regiões. Você quer contestar a barbaridade, a demência dos poderosos e não consegue. É enlouquecedor.
CC: Como o senhor vê o velho impasse amazônico entre a necessidade do desenvolvimento e a luta por preservação ambiental?
MH: Para mim, a miséria é mais chocante que o desmatamento. Volto ao exemplo emblemático de Manaus, uma cidade de 1,6 milhão de habitantes, onde 50% são favelados e menos de 15% têm esgoto. A 1 quilômetro do maior rio do mundo, falta água nos bairros pobres. Para onde vai o dinheiro do imposto? É um crime plantar soja onde há floresta. A exploração da natureza deve ser sustentável. Mas o pior é ver a degradação da população.
CC: O senhor já foi a festas folclóricas do interior da Amazônia?
MH: Já. Eu conheço o interior do Amazonas. É paupérrimo. Antes e depois da festa, a vida volta ao seu martírio. Mas a elite e o povo do Pará souberam preservar mais a cultura popular. Manaus foi sempre uma cidade daquele que não quer se fixar lá, do predador que explora e vai embora. O que houve foi a aliança de uma elite fragilizada com os poderosos da Zona Franca, que dão as cartas. Os políticos ficaram reféns desse capital, que é de fora, seja do exterior, seja do Sul-Sudeste.
CC: Como o Amazonas deveria promover seu desenvolvimento?
MH: Muita coisa pode ser feita em matéria de exploração sustentável dos recursos naturais. Mas a principal vocação do Estado é para o turismo. Uma vocação desperdiçada pela elite dirigente que só se interessa em proteger e fortalecer a Zona Franca. Da forma como o Amazonas tem sido governado, se um dia a Zona Franca acabar, o Estado estará liquidado.