Minha casa tem 6 tartarugas, que ganhamos quando crianças e encostamos como ferroramas no fundo do quarto. Tem um papagaio que literalmente caiu do céu. Tem quatro cachorros, já teve uma boa dúzia de gatos, periquitos, e toda sorte de passarinhos, que meu irmão teimava em prender num dia, e que eu teimava em soltar no outro. Pretendo soltar todos, a começar pelas tartarugas. O papagaio não quer saber de liberdade, já aprendeu a exigir comida e a rir da nossa cara nas piores horas. Tenho certeza que os cachorros pretendem nos expulsar de casa. Embriagado de sono, vou tirar o carro da garagem, onde também fica o loft do arremedo de Louro José. Sinfonia de cães, de gente, de carros na rua e de notícias ruins no rádio. Uma família de pombos saqueia o saco de ração de R$ 46 dos cachorros. Cocô de pombo no pára-brisa do carro - provavelmente a ração roubada ontem, já processada – o reservatório de água do carro vazio e o limpador espalhando a merda pelo resto do vidro. A garagem cheia de cocô de cachorro. Um gato de rua dorme em cima do carro. O carro do vizinho bloqueia a saída do meu, o sol das 7:30 escaldando e o cachorro do vizinho, um pincher que juro de morte toda manhã, dando aquelas latidinhas que martelam a minha sanidade mental. Até que o mundo pára num silêncio assustador. Longos segundos, uma leve tontura e minha mãe apenas mexendo os lábios, me oferecendo um copo de suco, em câmera lenta, numa lente sepia. Penso "beleza, tô surdo pra sempre, não vou trabalhar". Mas tudo volta ao normal e o papagaio grita na minha orelha:
- Quero cafééé!!!
Histérico, respondo automaticamente na orelhinha invisível dele: "Então vai à merda, filha da puta!!!".