sábado, abril 22, 2006

Pro meu velho Ismael


Não me lembro do homem que me levou ali. Eu era garoto, e estava pela primeira vez no Estádio da Colina. Pode ter sido um dos meus tios, pode ter sido um amigo da família. O estranho de não lembrar dele é o fato de que foi uma das únicas vezes na vida em que me senti filho, assistindo uma partida de futebol ao lado do pai.

Eu não entendia porque meu nome enfeitava aquela marquise, com letras enormes, até desproporcionais para o tamanho do estádio. Era muito estranha aquela inscrição “ESTÁDIO ISMAEL BENIGNO”. Do jogo, bem, é claro que não lembro. A imagem mais nítida que tenho daquela tarde era o fato de estarmos atrás de uma das traves, e eu perguntava ao meu “pai” por que nada acontecia ali. Ele me respondeu, reclamando: “É que o nosso time não chega aqui!”. Estávamos sentados às costas de um goleiro atento, mas ocioso. Nosso time não chegava até ele.

Quando penso no velho Ismael, “Patrono da Colina”, imagino as conversas que ele tinha com gente como Flaviano Limongi, e me dói não ter rido daquelas conversas. Quando ouço as histórias, inclusive as do Jokka, uma saudade do que não vivi me abate. Perdi meu velho Ismael muito cedo. Perdi meu pai muito cedo. Perdi as referências dessa veia bonachona da família. O futebol ficou esquecido no nome do velho, nas fotos que tenho do meu pai com Pelé e Tostão na Granja Comari. Ficou nas histórias das peixadas que minha vó serviu a Parreira, nas histórias que nunca vivi. Eu podia ter herdado esse amor pelo futebol, pelo clube. Mas não tive quem me ensinasse isso.

Hoje acompanho esse time à distância, com um carinho comedido e realista. Sei da história, porque sei da história daquele velho, que tanto fez pelo futebol e pelo bairro de São Raimundo. Torço por questão de genética, de lealdade ao passado. Hoje esse time de nome gostoso viaja pelo Brasil, numa glória humilde, em meio à inglória de outros. Hoje sou um pouco mais neto daquele velho, e vou torcer, com meu rádio nas alturas. E tentar lembrar daquela tarde, tantos anos atrás.

O Estado do Amazonas, 21 de abril de 2006