sexta-feira, novembro 19, 2004

A popularidade segundo Josias

Josias tinha dessas. Moleque, às vezes coração mole, mexia com a vida das pessoas, curando cegos e coxos quando não tinha trocado. Querido pelo bairro, deu um beijo na mãe e saiu, ainda penteando a longa cabeleira com os dedos. Chegou à casa do velho amigo Luiz pra comer o tradicional pão asmo de sábado e encontrou uma pequena multidão à porta da humilde casa, incrédula, chorando pela morte do boa-praça da rua. Luiz tivera um tilt de noite, enquanto dormia. O povo chorava, e Josias chorou, apegado que era ao finado.

Mas revoltado com os caprichos do velho, decidiu agir, e colocou as mãos sobre a fronte do amigo morto. Depois de trazer Luiz de volta à vida, saiu da casa, e os vizinhos e amigos não acreditavam naquele prodígio. Andar sobre a água não causara tamanho furor, meses antes, pois se sabia da capacidade de Josias de inovar. Além disso, o preço da passagem de barco andava pela hora da morte. A alegria voltara ao bairro, e Josias, vaidoso, regozijava-se, sorrindo discretamente.


Aí, Cezar, amigo interesseiro de Josias, mais tarde, no boteco do Filisteu, perguntou: você não acha que passou dos limites dessa vez? O que o Luiz te fez para merecer morrer duas vezes? O Filisteu, dono do boteco, maranhense que ficara rico vendendo vinho feito de água batizada às custas de Josias, desesperou-se em silêncio. Uns pigarros constrangidos ecoaram no silêncio da pergunta, e Josias sentiu falta da época em que discutia com os sábios da Igreja, velhos esnobes, apegados apenas a rezas decoradas e roupas solenes.

Mais gente chegava em euforia, e os pães ficaram poucos. Luiz, ainda tonto, mal acostumado pelo amigo camarada, procurava Josias para ajudá-lo com aquele pequeno problema alimentar. Josias nada mais poderia fazer. Tinha ido pra casa, chorando discretamente.