A melancolia cega do Coronel Slade de Pacino
O personagem de Al Pacino no filme Perfume de Mulher tem significado muito pra mim. Lembrei do coronel linha-dura dia desses, acompanhando a saga petista da lealdade canina aos amigos. Porque é disso que o filme fala, da beleza da lealdade e dos efeitos dessa beleza sobre o que é certo, justo, constitucional; ético, enfim. Não quero fazer aqui juízo de valor e repilo peremptoriamente que atribuam minhas palavras a ilações maldosas, mas preciso, preciso muito saber onde andam os petistas de verdade. Ando lendo matérias e entrevistas de todo tipo de gente, quase sempre coroadas com a cautela em torno do impedimento do presidente. Mas não vou falar disso, vou falar da lealdade petista, essa lealdade que ganhava tamanha apologia no filme do coronel cego e do garoto pronto a aprender as lições da vida adolescente. No filme, garotos secundaristas pregavam uma peça no diretor da escola, uma das mais rígidas e tradicionais da América. Durante a investigação, sob a qual o diretor interrogava meninos assustados e lhes prometia expulsão sumária, surgia a figura da delação premiada. O Sr. Simms, aluno exemplar vivido por Chris O’Donnel que vira colegas seus armando o trote, recebia a promessa de uma bolsa em Harvard, caso apontasse os culpados. Resistiu até o fim, brindando o filme com um final tribunalesco, no qual foi saudado pelos aplausos de todos e por uma trilha retumbante, provavelmente de James Newton Howard.
Não há caras-pintadas nas ruas. Diversas organizações sindicais e estudantis organizaram uma manifestação de apoio ao governo, contra a corrupção – sim, as duas coisas ao mesmo tempo. Garotos pintaram os rostos e carros de som foram alugados. Mas depois de algum tempo, os estudantes sumiram, provavelmente porque a festa não bombou como esperavam. Ficaram algumas centenas de gatos pingados, além de um índio, sim, um índio, de calção e sem camisa, que estava por ali protestando contra os problemas da Funai. Na falta do que fazer juntou-se à manifestação, mas contra ela. Reclamava do presidente e do descumprimento de suas promessas às nações indígenas. Estava lá por não saber o que fazia lá.
Não há raiva nem indignação no peito do povo, isso é mentira. Há o sentimento constrangedor, a constatação dolorosa da burrice coletiva. Hoje o filme da vida do PT é a versão tosca e chinfrim de um Perfume de Mulher. Não há Al Pacino nem Chris O’Donnel, não há um belo tango sendo dançado num salão, não há música de James Newton Howard. Há apenas a lição do coronel de Pacino, cego e amargurado pela vida, ensinando a alguns garotos o valor da lealdade, mais valiosa do que a ordem e a decência de uma escola. Assim fizeram nossos baluartes da ética e da decência. Vão defender os amigos até o fim, negando com gestos, olhares e palavras a responsabilidade por algo que precisa ser punido.
Hollywood nunca me enganou. Na vida real o coronel cego e seus garotos trapaceiros não saem do tribunal sob aplausos, não há música de consagração, não há urros da platéia, de felicidade ou de desgosto. Não há nada. Só um silêncio constrangido nas ruas, um silêncio dos que sabem que não têm o direito de reclamar, como na manhã de segunda seguinte a uma derrota da seleção. Não há nada. Só um coronel cego e seus garotos premiados com a Harvard, mentindo a todos, se humilhando e humilhando a todos nós.