domingo, maio 21, 2006

As crônicas de Malfa: o fã, o alpinista e o torcedor


Desde que eu via aqueles vídeos antigos dos Beatles nos estádios americanos, tocando à toa, para uma multidão que gritava tanto que a música ficava inaudível, tenho profundo preconceito contra fãs. O fã, ao lado do alpinista e do torcedor, é o perfeito idiota. O pior é que o fã nunca se recolhe à sua idiotice, ele precisa, com ela, atrapalhar a vida alheia. Aliás, é por isso que o fã se equipara, pra mim, ao alpinista, a categoria humana que está no topo (com trocadilho mesmo), da pirâmide social da idiotia. Assim como o alpinista, o fã me atrapalha. Se quero ouvir a música, assistir o filme, entender o jogo, lá está ele, enfeitado com boné de idiota, camiseta de idiota e voz de idiota, gritando pela Sandy, pelo Lula, pelo Popó.

As fãs da Sandy estão até perdoadas, pois sempre somos idiotas lá pelos 13, 14 anos de idade. Os fãs de Lula, aqueles que puxam a gritaria dos comícios do presidente durante as inaugurações (preste atenção, sempre há uma voz de mulher, invisível, que puxa o "êêêê..!!!" quando o presidente diz que ‘nunca na história desse país Sobral teve um posto de gasolina tão moderno!!’), e os de Popó, dando socos no ar em frente à tevê, não têm perdão.

O alpinista também me atrapalha muito, pois toda vez que um desses idiotas morre, a televisão brasileira interrompe sua programação pra dar a notícia. Hoje foi Vitor Negrete, que já tinha chegado ao topo do Everest no ano passado e que tinha filhos (um de sete meses). Vitor precisava ir de novo, dessa vez sem oxigênio. Morreu na volta. Idiota. Como é idiota o torcedor, que num minuto grita "olé" pro seu timão, pro seu mengão, pro seu fogão, e noutro é humilhado pelo "olé" adversário, que no minuto anterior era a imagem da humilhação. Ser torcedor também é um exercício de idiotice sem muitos concorrentes.

As fãs da Sandy são idiotas, como são idiotas – e idiotas chatos – os fãs de Raul Seixas e do Pink Floyd. Pois é. E nesse exercício de idiotice as fãs de Sandy, aos berros e no afã de tirar fotos, perdem o principal: a música da Sandy. Por causa da gritaria, aquelas adolescentes, tanto as de onze quanto as de 35 anos, não escutam letras como a de Nas Mãos da Sorte: "O político ladrão é o pior dos bandidos/ Mata o povo de fome com um sorriso fingido/ (...) De manhã pode ir preso, mas é solto de tarde."

É por isso que não gosto de fãs, fico no fundão, tentando prestar atenção apenas ao conteúdo do espetáculo. Apreciadores de times de futebol, de música e de esportes radicais como eu têm essa vantagem: aproveitam melhor a coisa. Eu, por exemplo, tenho mais liberdade do que uma fã, pra refletir sobre o que Sandy quis dizer com "É melhor você ter certeza/ Estou longe de ser a Madre Tereza", na sua composição "mais autoral", chamada Discutível Perfeição.

Preconceituoso, graças a Deus!