sexta-feira, maio 26, 2006
Se fosse num goró com o presidente...
Sou um fã confesso de Ricardo Noblat e Veja, disso todo mundo (o meu mundo) sabe.
A revista deixo pra depois, não precisa de fãs - nem de detratores, é auto-suficiente, rárá. Mas Ricardo Noblat, jornalista bom que é, evita opinar, na medida possível da condição humana - sobre as notícias que publica. Essa noite, em que a elite (falo de mim) amarga o gosto de não poder beber tanto quanto a plebe (Ele), às 21:03h, Noblat deu uma daquelas em que o título é mais valioso que o texto. A nota se chama "Que povo bonzinho...", e diz tudo. Uma pesquisa, recebida pelo governo, diz que a maioria dos brasileiros acha que Lula foi traído pelos que bolaram o mensalão e outras cositas mais, acha também que ele foi gente boa ao se negar a revelar publicamente o nome dos traidores e acha, ainda, que ele agiu com firmeza ao livrar a cara dos que o traíram.
É isso mesmo.
Algumas pessoas me dizem que sou amargo.
Não, não sou. E me nego, também, a ser satírico. Não me apraz, não me regozija saber que faço parte de um povo desses. Há tempos digo, pra quem quer ouvir (eu), que esse povo não serve, já está contaminado pela bagunça. Sei que brasileiro não gosta de pesquisa, de estatística, de números (75% roubaria, igual eles, se pudesse). Mas não importa.
Me disseram uma vez, e eu acreditei, que essa experiência podia ser válida. A diferença entre mim e os fãs é que eu, apesar de constrangidamente decepcionado, não defendi o sujeito que me decepcionou. Ao contrário da maioria desse povo, eu sei errar. Ao contrário desse povo, eu assumo as besteiras que faço - e olhe que nunca fiz essa. Ao contrário dessa gente uniformizada, eu aceito a penitência. Eu pago o preço, pode mandar a conta.
O povo brasileiro, medianamente, é torpe, mau caráter, pobre por justiça divina. E quando falo "divina", não falo da fé dessa gente, não só brasileira, que acredita em justiça. Não. Justiça divina - chamem como queiram - é a recompensa pela civilidade, pelo respeito aos outros. Independente do nome do santo, do deus, gente que se respeita e cumpre as leis é desenvolvida. Claro, há motivos mais fotogênicos pra ser-se bem-sucedido, mas, por favor, não me ofereça. O povos mais ricos não são os mais religiosos, são os mais sérios, os mais pontuais, mais honestos. Sim, a honestidade faz bem em outras terras!
Andei pensando nos motivos do total desprezo do povo pelos fatos que vêm se repetindo há um ano. É uma questão sociológica, pra ser estudada por sociólogos americanos - os brasileiros, inclusive os tucanos, são charmosamente inertes, condescendentes com esse fenômeno.
Lula é a nossa cara. Não importa quanto fujamos dele, não importa quanto sigamos a musiquinha de seus programas assistenciais. Ele sempre estará lá, falando errado pra gente, dizendo que "quanto mais escola a gente abrir, menas cadeia a gente vai precisar fazer". Ou seja, não importa quão analfabetos sejamos, haverá, sempre, alguém lá em cima nos provando que esse é o caminho. E isso é lindo porque é inédito!
A pesquisa que Noblat divulgou é a foto polaroid desse país, em que gente que usa cinto de segurança vira notícia, dá entrevista pro Jornal Hoje, causa aquele sorrisinho simpático e quase emocionado da Sandra Anenberg.
Pobreza não é bom, não é bonito! Chega dessa conversa de "um trabalhador como nós chegou lá", chega de bobagem sul-americana, chega de conversa de incompetente!
País sério elege trabalhadores, sempre, sejam eles ricos ou pobres. Chega de "elites", chega de "brancos", chega de "neoliberais"! O mundo inteiro já está a duas voltas da gente, falando de proteção ao meio ambiente, falando de Darwin nas escolas, falando de meios pra se poupar, enquanto a gente ainda aprende a odiar o dinheiro, o rico, o bem-sucedido, vergonhosamente se deixando colonizar não por idéias imperialistas americanas, mas por idéias socialistas, mortas há duas décadas e ainda defendidas por gente tosca, que nada dá de resultados bons a seus povos, como retardatários posando de revolucionários!
Chega de conversa. Chega de Bem e Mal! A gente não presta. Ponto!
Odeio, principalmente nesta noite em que não tenho dinheiro pra comprar cerveja e me entorpeci com rum barato, esse sentimento de injustiça. Odeio essa conversinha de "culpa dos outros". Odeio essa gente, que se diz envergonhada e que rouba do mesmo jeito. Isso mesmo, porque quem rouba o troco errado do restaurante é quem rouba a verba do gabinete. Simples assim.
Estou bêbado, claro, com bebida ruim, barata. Sou da elite, faço happy-hour às 19:00, sexta-feira, em vez de tomar um goró às 13:00, terça-feira. Aceito isso, não me ofendo com quem bebe Romanés-Conti às segundas, seja quem for.
É o que gosto em mim. Não dependo de ninguém. Nada me impede de elogiar ou xingar alguém. Àquela época diziam que o fato desse senhor beber vinho caro era notícia. Mentira! Nada! Imaginavam que todo mundo teria, com essa gente, acesso aos vinhos Bordeaux, aos vinhos mais caros. Uma vez elogiei a vitória desse homem, pelo que representava, pela beleza da mudança, da alternância, da chance que se dava ao diferente. Pois bem, já deu. Já chega de Duda, dono de contas e mais contas no exterior, presentear o presidente com uma garrafa de vinho que eu, "elite", nuca beberei. Chega de putaria.
Muita gente foi enganada, inclusive eu. Não porque acreditei nessa gente, mas porque gosto de mudar de cabelo, de cor de roupa, de tipo de música de vez em quando. Mas ele acabou com tudo. Ele repicou meu cabelo, fez um pilling de sobrancelha sem que eu pedisse.
O Brasil aprova qualquer coisa que esse homem fale. Sabe por quê? Porque ele fala que nem nós, simpres, direto, sem o conversê das elites, dos ricos, que falam certo porque roubaram o país, porque roubaram outros países, como a Bolívia.
Lula não é um caso, é um tratado de sociologia. É o dado estatístico, a prova cabal de que ruímos. Não por ele, coitado, que deve ser um ótimo parceiro de birita, mas por nós. É material pra estudos e mais estudos, que um dia franceses, alemães e americanos vão estudar, entediados, em sala de aula, sobre aquele continente pobre e corrupto, uma pré-África, uma volta às origens da Humanidade. Lula é um fenômeno, como são todos os latinos, os brasileiros, "se achando" por causa disso, como se isso fosse bom.
A pesquisa está aí. É claro, os esquerdistas de sempre esquecerão as medianas, as médias ponderadas, as amostras e as margens de erro, que não estudaram porque bebiam no bar da esquina da faculdade enquanto os capitalistas estudavam. É claro, me acusariam, caso lessem esse desabafo de um bêbado barato, de ser da "elite". Sei ver quando um povo essencialmente analfabeto faz merda e não assume. Sei, é a sensação de ter cagado a coisa na primeira oportunidade. A dor de ter feito merda é grande. Mas é mais saudável assumir, garanto. Não afeta a nossa masculinidade, a nossa latinidade.
Pois bem, sou da "elite". Estou em casa, digitando de uma linha discada gratuita, num computador que já devia ter travado a essa hora, num teclado que não pode ser mexido pra não dar mau contato e com um copo de rum e coca do meu lado - tive que escolher entre o cigarro ou o gelo hoje, e escolhi o cigarro. Escolhi o cigarro, escolhi beber um rum cáubói. O professor Luizinho não aceitaria beber comigo. O Delúbio também não. Lula perguntaria a safra do meu rum de R$ 18,90. Eu não saberia conversar com um expert desses...
Detesto muito tudo isso, pra lembrar uma propaganda contrária de não sei que empresa. Detesto dormir desse jeito, derrotado, humilhado e ridicularizado, não por um presidente, mas pelo povo em que eu, à minha revelia, estou incluído.
Eis a pesquisa. O Brasil é Lula.
Eis o porquê sociológico dessa aberração. São todos ladrões, e vão continuar aí, por mais quatro anos. São todos ladrões, desde o militante até o presidente. O militante porque finge ainda acreditar - simplesmente porque não quer voltar pra casa e repetir de ano -, o presidente porque, porque, porque...
Porque a maioria está do lado dele.
Sou um derrotado. Sim, sou. Sou um enganado. Sim, sou. E é isso o que me diferencia dessa gente. Não tenho vergonha de pedir desculpas quando trombo com alguém na rua, quando fecho alguém no trânsito. Sou um derrotado porque sei ser pobre, sei ficar sem dinheiro, sei tomar rum barato, porque não roubo ninguém.
Cansei de esperar que essa gente pedisse desculpas. Estou até agora no meio-fio, parado, esperando que o cara que me fechou me pedisse desculpas.
Isso não me incomoda.
O que incomoda é, além de não ouvir o pedido de desculpas, ouvir todo mundo dizer:
"Vale tudo, mermão! Quem te fechou foi um cego! Que beleza! Ele dirige, ele não tem carteira, ele nunca dirigiu!"
Não sei vocês.
Mas eu, eu não mereço.