quinta-feira, junho 30, 2005

Quatro tapas na cara



Cortesia do Jornal La Nación

Eu dizia, dias atrás, que a seleção brasileira precisaria de sorte para vencer os argentinos ontem. Não precisou. Numa apresentação, essa sim, digna de representar o melhor futebol do mundo, o Brasil finalmente (e não havia melhor momento para isso) provou que é, sim, melhor do que os argentinos, portanto o melhor do mundo. Mas sabemos, nós aqui, que o Brasil quase nunca é o monstro que foi ontem, tanto que o comentário mais ouvido entre os torcedores era algo como “o Brasil está irreconhecível!”. Verdade. O Brasil não é assim na maioria de seus jogos: briguento, marcador, concentrado e inspirado. Sem nenhum gol de falta, pênalti ou escanteio, mostrou, jogando, que ontem a Argentina não tinha a menor chance. Adriano, melhor jogador e artilheiro da competição, nos fez esquecer a ausência de Enroladinho Fenômeno, que enquanto o desfile brasileiro acontecia em Frankfurt, recepcionava a onipresente top-model Naomi Campbel na São Paulo Fashion Week. Isso mesmo.

Mas faço justiça e assumo a língua queimada. Agora o Brasil é o campeão da tríplice coroa, uma espécie de Grand Slam do futebol, formada pela Copa do Mundo, pela Copa América e pela Copa das Confederações. É cinco vezes campeão do mundo, três vezes mais que a Argentina. Levou a chuteira e a bola de ouro. Aplicou a maior goleada na Argentina em 37 anos, pela primeira vez numa final de competição organizada pela Fifa. Leu, ouviu e aturou piadas, ironias, vodus e a tradicional arrogância Argentina. No fim, ignorou tudo isso e aplicou uma surra humilhante no rival, em frente aos alemães, país de futebol feio, chato e ainda assim com mais títulos mundiais do que a Argentina. Argentina que não ganha nada oficial há 12 anos como seleção principal.

Daqui da posição de torcedor, o prazer realmente inenarrável é ver as manchetes dos jornais argentinos, agora humildes e resignados, dando os parabéns ao Brasil e aceitando o chocolate que tomaram. Mas como são argentinos e não podem negar o sangue que lhes corre nas veias, não desistem da soberba. No momento do apito final de ontem, o jornal Clarín dizia que “A pesar de la diferencia amplia, el score fue mentiroso”. Hoje mais calmos, conformados e surpreendentemente profissionais, os jornalistas argentinos disseram que a lição dada pela seleção brasileira será "difícil de imitar". O La Nación destaca os 10 erros da Argentina, como a insistência de Sorín em "jogar com a 9", a apatia de Riquelme e Aimar, a fragilidade do goleiro Germán Lux, a ausência de um artilheiro, o esgotamento físico, a falta de "coração" da equipe e o desempenho dos reservas brasileiros muito superior aos argentinos. O nono erro é tratado como "perdemos porque provocamos um monstro", e, o último cita uma frase de Diego Simeone, ex-volante da seleção, que definiu que "O Brasil tem craques, a Argentina, bons jogadores". Este sim foi o gosto mais doce que senti ao final do jogo de ontem. A arrogância humilhada.

Mas o Olé não se entrega e insiste em seu “jornalismo” tosco. Ao final da matéria, simplesmente diz "Parabéns. Mas Maradona é argentino. E foi melhor que Pelé". Pelo jeito, por sobretaxas Kirshnerianas à entrada de filmes brasileiros em solo portenho ou por pura incapacidade de se render aos fatos, os argentinos não puderam (ou não quiseram) assistir a Pelé Eterno, o filme que mostra o que fez um tal de Atleta do Século. Apesar dos títulos mundiais, das inúmeras chuteiras de ouro, do topo do ranking da Fifa, das vitórias e das surras que tomam, eles não se entregam e se sustentam nos títulos sul-americanos, onde são historicamente muito superiores aos macaquitos.

Nem isso vão levar. Ainda ontem, na já silenciosa Buenos Aires, tomaram mais três do Brasil, representado pelo São Paulo. Ficaram de fora da Taça Libertadores da América.

Restam agora a incurável arrogância, momentaneamente abalada, e a indisfarçável inveja.

Talvez os louros do título nem sejam tão caros aos brasileiros. Se a lição servir para que deixem a nossa paciência em paz, já estará de bom tamanho esse 29 de junho de 2005.