sexta-feira, junho 10, 2005

Sobre meninos e lobos


E tem também aquela história da reunião entre clientes e fornecedores, naquela repartição pública, logo depois do final do expediente. Os dois lados ligam seus gravadores e filmadoras com o prévio conhecimento da outra parte. No afã de desinfetar a máquina pública, o governo agilizara a aprovação da Reforma Administrativa, sob a qual todas as negociatas federais passaram a ser obrigadas a serem registradas em áudio e vídeo, do jeito que funcionam os call-centers. O primeiro e imediato efeito da Reforma Administrativa fora a melhora da imagem pública. Agora, todos com suas gravatas alinhadas e suas barbas irretocáveis, procuram seus melhores ângulos e trocam segredinhos cabeludos:

- Boa noite, Dr. João Ferreira, tudo bem?
- Tudo bem. E como vão vocês?
- Tudo bem, graças a Deus. Os negócios estão mal, os juros são altos demais e infelizmente estamos impedidos de contratar pessoal e ajudar esse grande país a crescer como merece. Mas deixa pra lá, ainda temos fé nessa nação.
- Eh... Vamos lá, em que posso ajudar vocês e o nosso grande país?
- Bom, como você sabe, estamos participando daquela concorrência de 400 milhões, lembra?
- Sim, claro. Eu e este grande país estamos ansiosos pela compra dessas trezentas réguas e desses 200 lápis nro. 2.
- Pois é. A gente veio aqui pra te fazer uma proposta.
- Proposta? Mas ela vai beneficiar o país?
- Claro, claro! [Nesse momento a reunião passa a ser escrita]

Transcritos os bilhetinhos, escritos em post-its comprados a R$ 350 o bloquinho, se veria:

- É o seguinte, Ferreirinha: você assistiu Velocidade Máxima, com aquele cara da Matrix?
- Veloc... Veloc... não, acho que não. Por quê?
- Seguinte: pra despistar o vilão, que filmava todos os seus passos e prometia explodir o ônibus se alguma saísse do script, os mocinhos decidem exibir, como se fossem ao vivo, imagens gravadas, nas quais obviamente nada demais acontece. Enquanto isso eles poderiam dar um jeito de livrar-se das vistas do cara mau e salvar todos os inocentes.
- Sim, mas o que a gente ganha dessa bosta de país com isso?
- Calma, Ferreirinha. Temos aqui fitas com imagens gravadas na sua sala, enquanto fazíamos aquele blá-blá-blá sobre essa merda desse povo. Agora a gente põe essas gravações pra rodar repetidamente, enquanto a gente conversa mais à vontade... Entendeu?
- Arrã... Então vamo logo, mermão!


[Fitas trocadas]

- Ahhhh... porra, eu já tava cansando de escrever!
- Hehehe... Ferreirinha, ta aqui, ó. 3 paus pra gente começar a conversar, cabôco.
- Opa, dá aqui... [pigarrinho]
- Então, o que você vai arrumar pra gente?
- Já tá tudo arrumado, parceiro! Dinheiro na mão, calcinha no chão!
- Ótimo! Agora vamo destrocar as fitas.

[Fitas destrocadas]

- Então, Doutor João Ferreira, nós agradecemos novamente a oportunidade, viu? E esperamos que todo esse mal-entendido na imprensa seja esclarecido. Essa repartição não pode ser manchada por denúncias de corrupção. No que depender de nós, empresários, essa grande nação vai se ver livre de pessoas desonestas.
- Que bom, senhores. É de empresários como vocês que esse país precisa.
- Boa noite.
- Boa noite.