quinta-feira, julho 14, 2005

To be or not to be...


Não, não é chique sonegar imposto. Nem é chique criar empresas fantasmas para emitir notas fiscais falsas. Nem é chique ser condenado pela Justiça do Trabalho por pagar salário de funcionários por fora. Nem é chique declarar ao fisco que as gravatas Hermenegildo Zegna, vendidas a 3 mil reais, tenham sido compradas por 5 dólares. Não, isso não é chique. Como também não é chique ser denunciado por formação de quadrilha, por incentivar outras empresas a sonegar. Não é chique, de jeito nenhum é chique, ser suspeito de falsidade material e ideológica, muito menos ser acusado de crimes contra a ordem tributária. Não, não é chique posar acima dessa breguice chamada dinheiro, enquanto se dá tanto valor a ele, a ponto de se roubar e se fraudar o país para tê-lo.

Chique é viver num lugar bom de viver. Chique é andar de Armani pelas calçadas de Manhattan. Não porque Armani é chique, mas porque Manhattan é chique; e porque poder andar nas calçadas da sua cidade é chique. Chique é morar num país em que sonegadores de impostos aparecem algemados no noticiário. Chique é viver num lugar em que fraude dá cadeia, em que condenados choram, sabedores que não escaparão. Chique é morar numa cidade na qual os comerciais dos carros importados possam ser filmados. Chique é ter relógio Bulgary e poder usar, é ter Jaguar e poder dirigir, é ter casa bonita e não precisar esconder. Chique é ter dinheiro, mas mais chique ainda é fingir não ter. Chique não é apenas ser rico, é ser rico e não ter processos e suspeitas nas costas. Chique, no Brasil, é não ter passagem pela polícia. Chique é encontrar gente comum atrás dos balcões das lojas caras, e não a filha de um governador ou a esposa de um publicitário festejado. É ser rico às claras, sem esconderijos, sem palacetes blindados e sem entrevista de triagem na primeira visita.

Chique é ser parte de um todo que é chique. É esbarrar, num passeio de bicicleta, com gente que é rica e com gente que não é. Chique é desfilar de Prada e Versace em Milão, não pelas marcas, mas porque Milão é toda chique; é andar de Channel em Paris, porque Paris é toda chique. Chique é entrar no metrô londrino e encontrar o prefeito e o porteiro do prédio. É passear por Times Square, em Nova Iorque, e entrar em lojas caras a pé. É ver Porsches e Mercedez desfilando por ruas limpas. Chique é se incomodar com a pobreza, não por bondade ou sensibilidade social, mas por querer desfilar sua muambinha de 15 mil reais num cenário melhor, mais adequado. Até porque reza a etiqueta mais básica que é primordial saber combinar, e eis aí a suprema jequice brasileira: teimar em combinar o chique e o descaso, o elegante e a fraude, o requintado e o fruto de roubo. Chique é usar helicóptero pra chegar mais rápido, e não pra evitar seqüestros, é ter jato particular para trabalhar, não para evadir dinheiro. Chique não é blindar o carro, é não ter porque blindá-lo. Chique é ser um cidadão comum e poder comprar sapatos caros de vez em quando, sem que isso seja notícia. É vestir calças de 4 mil em vez de ser vestido por elas. Chique é, como fazem os pobres, pagar impostos. Chique é poder andar a pé pelas ruas da cidade em que se vive. E se a cidade não permitir isso, é chique que se aja como se algo houvesse de errado com ela, e não que se ignore seus problemas.

Chique é ser discreto. Chique é, pra começo de conversa, evitar a palavra “chique”. Não há gente chique que a pronuncie, sem exceções. Depois o mais complicado – e o mais simples também: chique é ter, usar, gastar e exibir seu próprio dinheiro. O resto é só uma horda de Imeldas e Martas, latinas e caipiras, desfilando futilidades e dinheiro dos outros.

Sobre isso aqui, Andy Warhol teria dito que "no futuro, todos terão direito a seus quinze minutos de interrogatório na Polícia Federal".