terça-feira, julho 19, 2005
Un país sin cojones
Pés sujos, lençóis mal arrumados, trancas mal fechadas ou sujeira debaixo do colchão me impedem de dormir em paz. Independente do cansaço, do porre, do sono ou da programação da tevê, preciso fazer diariamente esse check-list, senão rolo na cama a noite inteira. Incomoda demais deitar em panos brancos cheirando a amaciante, se sei que bem ali, centímetros abaixo do meu ninho confortavelmente asséptico há sapatos sujos, meias empoeiradas ou migalhas de pão. Não dá. Sei que esses copos sujos de suco, poeira e migalhas de pão sempre voltarão pra lá, praquele cantinho abaixo de mim, protegidos pela penumbra do meu cansaço. Mas nunca deixarei de me incomodar com eles. Porque essa limpeza diária não varre a sujeira pra sempre, precisa ser feita constantemente. Aquela ferida do tombo de bicicleta na minha infância só sarou quando aceitei toda a dor da limpeza, todo o ardor da eliminação da terra, da poeira e do sangue.
O Brasil não vai melhorar com a crise, porque não temos coragem para limpar a ferida de verdade. A dor da abertura dessa ferida veio, novamente, num esbarrão descuidado em uma quina de mesa. Abrimos a ferida por acaso, não por zelo, e apenas algumas células mortas da casquinha da ferida serão arrancadas. A limpeza que devemos fazer não vai resolver nada, amanhã. Vai apenas nos dar um sono mais aconchegante hoje, com aquela sensação gostosa de dormir sobre lençóis macios e cheirosos, que estarão sobre uma cama de madeira lustrada, que pousará sobre um piso de cerâmica limpa. Por hoje, ao final dessa faxina cansativa, estaremos livres dela, a sujeira do topo. Mas e quanto a amanhã? Não nos deparamos com uma espécie, uma raça ou um partido específico de ladrões. Lidamos com um sistema corrupto, um filme B, independente de seus protagonistas. Sujamos por natureza, e enquanto não inventarmos um botão auto-clean ou um sistema político sem interferência humana, de tempos em tempos teremos de juntar esponja e sabão e agüentar o aspecto e o odor da sujeira. Assim, evitaremos nos enganar, pensando que quem faz a sujeira são outros que não nós mesmos. Não poderemos culpar o presidente por suas contratações e indicações medíocres enquanto as nossas permanecerem medíocres nesses outubros e novembros eleitorais.
Cuido da minha cama, da minha higiene pessoal, do meu sono. Lavo os pés, limpo o chão e troco os lençóis da cama, porque detesto enganar a mim mesmo. Amanhã será outro dia. Dia de limpeza, mais um dia do tedioso, mecânico e imprescindível dever da limpeza.
Mas temo e lamento, pois meu país é um menino mimado que não suportaria a dor de limpar suas feridas como elas devem ser limpas.