terça-feira, julho 11, 2006

Zizou não ‘pega lá fora’


Instala-se, na crônica esportiva e nas discussões de enchimento de linguiça dos Avalones da vida, a dedução de que, para que Zidane fizesse o que fez a 10 minutos de sua aposentadoria, devia ter sofrido algum insulto horrendo. É óbvio. Muçulmanos são cordiais e educados (mesmo), mas não toleram insultos à sua família. Fica fácil perceber isso quando assistimos a cena completa, desde o agarrão que Zizou toma de Materazzi. Os dois trocam uma ou duas frases, Zidane dá as costas ao italiano e tudo parece resolvido. Mas Materazzi ainda fala algo, e isso é o suficiente para que Zidane vire novamente e, sem discutir, lhe aplique a cabeçada. Nada de grito, discussão, xingamentos. Nada de Simeone com sua filhadaputice dissimulada, nada de Edmundo dando tapinha e virando as costas. Zidane ouve o que Materazzi lhe diz, vira e ataca.

Zidane foi um artista, um oásis de futebol bonito numa Copa sem graça. Até a melancolia de seu olhar e a frieza azeda de suas feições me enchiam os olhos. Como me deram prazer os gols que fez pela Juventus, pelo Real Madrid, pela França. Comentou-se que Zidane é tímido, reservado e triste. É disso que gosto. De olhares ameaçadores antes das partidas, como dois pugilistas a se intimidar. Chega de pagode, de jogo-treino, de rachão, de Robinho fazendo graça, de Ronaldinho fazendo batucada. Isso era pro tempo em que éramos deuses do futebol, Globetrotters dos gramados, invencíveis.

Zidane aposentou-se por não querer mais fazer o que fazia. Não criou desculpas esfarrapadas, não fez drama, não posou pra fotos. Até a simplicidade de Zidane me encheu os olhos. Se era pra revidar um insulto, que fosse pra valer. Se fosse pra parar de jogar, que fosse por falta de prazer.

Zidane me encheu os olhos, não por seus dribles sobre brasileiros, mas pela estética de seu jogo, de cortes simples, sem firulas ou enfeites, sem trivelas ou pedaladas. Zidane não inventou, apenas fez. Desfilou, inovando com seus movimentos tradicionais, entre macaquinhos de circo enfeitados com tiaras da Nike. Entrou para a lista dos meus ídolos do futebol neste domingo. Por fazer o que fez pelo futebol e por ter honra.

Deixou uma agressão, não apesar de ser craque, mas exatamente porque foi craque.

Como Pelé, que sabia bater muito bem.

Coisas de quando ainda havia brios no futebol...