segunda-feira, março 06, 2006

City of Disturbing Lights


Uma imagem do show do U2 em São Paulo, transmitido pela Globo, e um post no blog do site NoMínimo, me fizeram pensar na mudança que este mundo experimenta, tecnologicamente falando. Pedro Doria conta que, passeando por Tóquio, viu um homem engravatado falado ao telefone com o aparelho na frente do rosto, e não encostado no ouvido. De repente, conta Pedro, o homem, sorrindo, aproxima os lábios do aparelho e beija a tela. Estava conversando por vídeo com a namorada, e provavelmente trocou aquele beijo por telefone.

É bobo comparar o uso que um executivo faz de seu celular em Tóquio com o que os adolescentes brasileiros fazem num show de rock. Não sou velho a ponto de ter assistido – ao vivo – apresentações dos Rolling Stones ou de qualquer outro dinossauro musical da década de 60, quando os milhares de luzes acesos durante os festivais, nas platéias, eram de isqueiros e cigarros de maconha. Hoje, não. Chegou, em certos momentos, a ser incômodo ver Bono chegando próximo à multidão e se deparando não com meninas histéricas, a ponto de subir ao palco e agarrá-lo. Não, elas não queriam isso. Claro, se quisessem, não poderiam, mas não queriam - essa é a verdade. Parecia que aquele Waldick Soriano irlandês queria ser abraçado, mas a multidão preferia fazer fotos, com seus celulares, a centímetros de distância do astro.

Os filmes de ficção não captam essas ‘nuances humanas’ no comportamento das sociedades futuristas de suas histórias. Com exceções (sempre raras, óbvio), atêm-se a retratar os usos produtivos da tecnologia, com ligações telefônicas que podem evitar uma catástrofe ou com imagens de satélite que podem mudar os rumos do mundo. Não, a tecnologia já está aí, moderna, cheia de funções e de usos, mas as necessidades ainda não a alcançaram. Podemos saber, via Internet, se há engarrafamentos ou pistas bloqueadas na viagem ao litoral, mas preferimos saber, antes de mais nada, outras coisas.

Bono Vox, The Edge, Larry Mullen e Adam ClaytonAs luzes dos telefones no Morumbi eram impressionantes. Parecia que a multidão, em vez de obedecer e imitar os trejeitos de seu astro (como era antigamente, dez anos atrás), queria hipnotizá-lo com seus aparelhinhos apontados para o palco, como querendo segurar e domar a banda, fazendo o contrário do que o senso comum sempre disse sobre o rock, as massas e coisa e tal. Bono Vox e seus colegas (capturados nesta foto, no palco), com aquelas imagens de Direitos Humanos, com aquelas canções sobre brigas de família e mortes absurdas num distante domingo sangrento, não colavam. Estavam, sim, resistindo à hipnose que o público parecia querer lhe infligir. No fim, no que pareceu um final feliz, as luzezinhas apagaram, e o jeito antigo de fazer um show de rock pareceu fazer falta. Mas aquelas imagens marcaram. Ora deixavam claro que estamos a caminho das sociedades individuais, onde cada um terá seu equipamento de sobrevivência (iPods, celulares e palmtops), ora mostravam que a tecnologia não muda necessidades ou desejos, só os torna mais instantâneos e fúteis.

Bono Vox podia ter se atirado ao público, num mergulho digno de Jim Morrison - ou Eddie Vedder, vá lá. Se tivesse tentado, estaria hospitalizado hoje. A multidão mais próxima ao palco, que pra isso deve ter passado fome, frio e calor nas filas, não queria viver o momento, queria registrá-lo. Iria abrir-se num vão, todos de telefone em punho, e veria o roqueiro se espatifando no chão, sob as lentes de todos os orkuteiros do país.

No dia seguinte, alguém até poderia exibir fotos suas socorrendo o astro, mas não teria o sucesso de todos os outros, mostrando, sob todos os ângulos e com as mais variadas taxas de resolução que a tecnologia pode comprar, o músico se estabacando aos pés da massa.

Mas, felizmente, nada disso aconteceu. Bono Vox e companhia encerraram os dois shows bem, e agradaram a todos. Depois de São Paulo, veio a Bahia... Mas isso é outra conversa...