sexta-feira, março 17, 2006

Não falam, os que querem e os que não querem


Foto: Gazeta do PovoEra de se esperar, dada a paixão seletiva que o STF tem pela Constituição, que o Poder Judiciário fizesse algo mais, também, pela restauração da ordem ética de Brasília. Francenildo dos Santos, daquele tipo de gente que a imprensa brasileira ama chamar de "um brasileiro comum", foi impedido de continuar falando a verdade, em depoimento à CPI dos Bingos. Um ministro do STF concedeu liminar ao PT, suspendendo a sessão que levava, ao ritmo de uns 2km por resposta, Palocci ao chão.

O que incomoda não é ver a Lei sendo cumprida, ainda que juízos subjetivos sejam necessários, sempre, nessas circunstâncias. Diferentemente da neo-velha direita nacional, feita de garotos estudados, progressistas e liberais (direita?), não defendo coronéis Ubiratans por chacinas contra presidiários nem condeno a presença de comissões de direitos humanos nos presídios, resguardando a integridade de assassinos e traficantes.

Mas ver aquela gente, fazendo a Lei, é o que incomoda. Ver aquela gente, que muito frequentemente advoga em causa própria, julgando os próprios colegas de traquinagem, é triste. Há instâncias superiores a isso, como o STF, que deveriam impedir que essa ordem ética fosse burlada. Nada de choque de poderes, isso é balela. Bastava que essas instâncias estivessem mais empenhadas em cumprir a Lei, que, a despeito do que muitos de nós pensamos, não é tão respeitada assim pelo Legislativo.

O uso do caixa dois, por exemplo, é crime. Invalida mandatos políticos, ponto. O recebimento de dinheiro proveniente de origens fraudulentas é crime. E crimes comprovados com recibos, extratos e faturas, não precisam de nada mais para serem punidos. No entanto, o que se vê são julgamentos políticos, que priorizam o juízo de valor da opinião, como se de empirismo e falta de leis sofresse esse país, de leis mil. Contra tudo e todos, leis, opinião pública e confissões dos culpados, a Câmara absolve seus membros, simplesmente porque acha que isso é o certo.

E assim fica!

Francenildo dos Santos, que "confirma até morrer" que viu e conversou com "O Chefe" várias vezes na mansão de Brasília, foi impedido de falar. O ministro Peloso, do STF, argumentou que o constrangimento pessoal de Palocci nada tinha a ver com investigações sobre bingos e outros jogos de azar. Ora, mas se subjetivo é o julgamento, que subjetivo continue. A CPI dos bingos há tempos não investiga especificamente as casas de jogos, o Brasil inteiro sabe. Muito provavelmente pouca coisa investigada tenha a ver com bingo, mas e se tiver?

A honra e a estabilidade de Palocci, de uns tempos pra cá os ativos imobilizados mais valiosos de nossa república, não chegaram a ser arranhados - pelo menos mais do que já andavam. Francenildo não julgou ninguém, apenas disse o que aconteceu. E o que garante, ao ministro e a Tião Viana (PT-AC), que as reuniões da mansão nada tinham a ver com bingos, uma vez que o caseiro foi calado, à força?

A solidez das instituições democráticas brasileiras, pra mim, é pura balela. Acredito na solidez das instituições de mercado, financeiras. Essas nunca vão se abalar e, nesse ínterim, nada derruba nossa democracia. Ou seja, não se mexendo com o mercado financeiro, vamos aproveitar. Ou o que se tem a dizer sobre democracia sólida, quando generais furam fila em avião, soldados e tanques se misturam a civis nos morros e um "brasileiro comum" é impedido de contar o que viu?

Nossos três poderes gostam de pensar que andar na beira desse abismo da estabilidade é mais seguro do que parece. Nos incitam, com liminares, habeas-corpus preventivos e escutas telefônicas clandestinas, a quebrar o decoro civil e parar o país, numa greve geral de cidadania, como se a sociedade mandasse parar toda a máquina brasileira, de empresas, bancos, lojas, escolas e imprensa, e dissesse a essa gente, amante da Lei quando lhe convém, que se ladrões confessos são inocentes, também queremos nossa parte desse bolo. Que daqui em diante, ou restauramos a ordem ou nos locupletamos todos. Justiça seria isso, STF.

Bom, voltemos às nossas tartarugas.