quarta-feira, março 29, 2006

Telê a minha Copa de 82


Era junho, junho de 1982. Eu estava doente, internado na Santa Casa, num apartamento com vista para a rua 10 de Julho, toda em verde-amarelo, as bandeirinhas de poste a poste e os rojões espalhando o cheiro de pólvora pelo ar.

Copa da Espanha. Da cama, eu vi Júnior sambando, vi Falcão e Zico. Vi os três gols de um Paolo Rossi que nada igual fizera antes daquele dia, e que nada igual faria depois. Com o perdão dos mais velhos, faço parte de uma geração para a qual o time de 82 foi o melhor. Me desculpem os que sofreram com o gol de Gigia, em 50, numa tristeza meio osmótica, resultado do empilhamento de gente demais pra ver uma seleção apenas comum.

A de 82, não. Aquela seleção é grande parte da saudade que tenho da minha infância. Zico, Sócrates, Júnior... e Telê. Aquele senhor de rosto duro, costeletas grisalhas e cara de boa gente me marcou muito. Tinha o mesmo carisma dos jogadores e era tão lembrado quanto eles. Montou o Estado da Arte em forma de seleção e me fez feliz, muito feliz – até Paolo Rossi fazer aquilo. A minha tristeza, a tristeza de todos não era por causa do Maracanã lotado, era por causa da injustiça, um sentimento que deve ser familiar aos holandeses que viram Cruyff e a Laranja Mecânica em campo.

Telê, aquele senhor de trajes simples e topete esvoaçante, não demonstrou tristeza. Não lembro dessa cena, ao menos. Foi o primeiro a ser chamado de Professor, como hoje é chamado qualquer um por seus comandados semi-analfabetos, com suas frases decoradas.

Telê Santana é hoje sequer uma sombra do que foi. Sem parte da perna esquerda, sem parte da fala e da vida, está sedado, numa cama de Belo Horizonte. Numa cama, como eu estive naquele 1982. Deve morrer, ninguém sabe quando. Quando isso acontecer, um pedaço daquela geração vai junto, com a tristeza daquele 82. O Professor morrerá, sem ter ganhado a Copa do Mundo com a melhor seleção que eu vi.

O consolo será lembrar de Fernando Calazans, respondendo a essa provocação da vida: Azar da Copa do Mundo!


Estado do Amazonas, 30 de março de 2006.