Não entendo os católicos que condenam as posições conservadoras de João Paulo II. Hão de concordar que boa parte do charme da Igreja Católica, especialmente aos olhos dos seus fiéis, reside na pompa rígida, no luxo e na tradição, que transformaram a idéia de Cristo, cujo Reino não é desse mundo (palavra dEle mesmo, em João 18:36), nesse espetáculo fascinante de regras, leis, pilares, afrescos, obras de arte e cerimônias tão inteligentemente cheias de simbolismos, como a fumaça do Conclave, os sinos no alto dos campanários (é risível comparar o alarde irritante dos megafones evangélicos de hoje com os sinos de bronze católicos, criados com o mesmo intuito) e a cruz no ponto mais alto dos templos, talvez o primeiro registro de uma logomarca, visível de qualquer ponto das aldeias, feito um imenso out-door. É comovente assistir aos rituais católicos, extremamente belos, mesmo os tristes, como os funerais de um Papa tão querido por todos - onde eu me incluo. Esses rituais são boa parte da alma da Igreja, além, claro, de Deus. Não sou católico, mas concordo com os católicos praticantes, estes sim, dignos de serem ouvidos. Conheço vários, e digo, eles também dizem que é sábio manter a Igreja como ela é. Se por um lado podemos reclamar de uma Igreja que dita as regras para as vidas de todos, inclusive as de quem não a segue, por outro não podemos exigir que ela mude porque o mundo mudou. Dom Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo, perguntado sobre a polêmica do aborto, disse, evasivo, que a Igreja não pode dar respostas velhas a perguntas novas. Perfeito. E que tudo fique assim. A Igreja é isso. Prega que a abstinência é mais efetiva que a camisinha. Simples assim. Que se prove o contrário. João Paulo disse que não há exceções, como o aborto, para o mandamento "Não Matarás", simples assim. Até eu discordo, mas é assim. A Igreja é feita disso, afinal: núcleo simples, superfície complexa. Não deve mudar. Estão aí novíssimas religiões e seitas, mais modernas, mais pra frente, mais antenadas com esse mundo de hoje, avesso a paradigmas e convenções retrógradas e chatas. É irônico, mas talvez essa gritaria dos não-praticantes seja a maior prova da legitimidade da Igreja; estes berram que ela vai contra o mundo, sem perceber que repetem o que Cristo disse: Seu reino não é desse mundo.
João Paulo nunca diria isso, mas talvez pensasse: quem não participa não pode opinar, e os incomodados que se retirem.
Estou com ele.
"Assim porque és morno, e não és frio nem quente,
vomitar-te-ei da minha boca"
(Apocalipse 3:16)