quarta-feira, março 09, 2005
Bittersweet Symphony
Os pobres, aqueles que nunca deixarão de ser pobres, acreditam demais. Quando crianças aprendem a ler e pouco a escrever, lembrando das ingênuas palavras de seus pais, invariavelmente semi-analfabetos: se você quiser ser alguém na vida, estude, meu filho. Então eles estudam. Decoram tabuadas, aprendem a separar os sujeitos dos predicados. Mas quando a hora da recompensa chega, a vida os enrola, como o chefe que não lhes paga o que deve. Dia após dia o ritual do prato feito, do vale-transporte, do cansaço e da coxinha com refresco se repete. Não há diploma, não há vitória. Só uma profunda e insistente felicidade, apoiada na fé, nos santos e nas promessas. O pobre é antes de tudo um crente. Quanto maior sua pobreza, maior sua fé. E morrem nas filas governamentais, à espera da benção – divina, claro – do ordenado da aposentadoria. Quando não tombam, voltam exultantes pra casa, com suas sacolas de feijão de terceira, para alimentar os filhos desempregados, que também estudaram quando crianças. Ligam a tevê, queimam o lixo e sentem-se num churrasco de fim-de-semana. São felizes, tombando um após o outro, como células mortas de uma ferida gigantesca chamada Brasil.