terça-feira, março 08, 2005

Oferta e Procura

Minorias chamam atenção, e por isso meu país gosta tanto de gente que anda fazendo honestidades ou sendo bonito por aí, à luz do dia, impunemente. Guardas que multam, caixas de banco que não atendem furões, fiscais que autuam, policiais que prendem, médicos que curam, professores que ensinam, servidores que trabalham... Todos deveriam ficar famosos e sair no site Paparazzo. As câmeras escondidas dos Fantásticos deveriam flagrar o honesto em pleno ato de honestidade. O açougueiro que não adultera a balança, o dono de posto que vende gasolina de verdade, o mecânico, o encanador e o advogado que não enganam. O clímax do Teste de Honestidade seria a oferta do suborno, sob rufar de tambores. No momento do “Não, obrigado, isso não é certo”, portas deveriam abrir, familiares, amigos e figurantes deveriam vir em aplausos; luzes e flashes deveriam mirar no honesto. Dali, o honesto deveria ser levado, de helicóptero, ao Faustão, onde seu Arquivo Confidencial seria aberto, sem censura, sem cortes, para a nação inteira. O padeiro contando do troco a mais devolvido na infância, a professora de matemática lembrando de quando ofereceu ajuda ao honestinho durante uma prova, e recebeu como resposta um “não, tia, isso não é certo”. Biólogos fariam mesas redondas, explicando à população como acontece o fenômeno dos Ursos Pandas Albinos e dos Honestos.

Haverá um dia em que CPIs caçarão ferozmente os honestos. Carros populares de segunda-mão, churrasqueiras de bafo e DVD players malaios (com karaokê) serão confiscados, contas-salário da Caixa serão investigadas, conexões de tevê a cabo e energia elétrica serão averiguadas pela PF. Celulares de cartãozinho serão monitorados, com a permissão da justiça. Flagrados, os honestos serão apresentados à população, sondados pela Marlene Matos e farão propagandas pro Polishop. Muito dinheiro, dinheiro fácil. E tudo à custa de muita honestidade.

Atualização: um delegado da PF gravou imagens suas, dando voz de prisão a um advogado que lhe oferecia suborno. Ao ver o desonesto, simples mortal, de joelhos, pedindo clemência, falou grosso, quase fazendo pose pra sua própria câmera: “Levanta, rapá, seja homem pra ser preso como foi pra oferecer dinheiro, rapá! Esse país ta mudando rapá, cê não vai mais fazer isso, não!”. Esse vai pra propaganda do governo, igual Seu Raimundo, porque “não desiste nunca”.