De Folclore Político Amazonense, de Simão Pessoa.
Dezembro de 1995. o deputado estadual Eron Bezerra encaminha um requerimento à mesa diretora da Assembléia Legislativa solicitando uma sessão especial com os caciques Ticuna, para investigar as possíveis causas da alta taxa de suicídio entre os índios. Espalhados ao longo da região do alto e médio Solimões, próximo da fronteira com o Peru e a Colômbia, os cerca de 30 mil Ticuna vivem até hoje as conseqüências e dilemas da integração. Em 15 meses, de setembro de 94 a novembro de 95, foram registrados 10 casos de suicídio entre eles. Na sessão especial, o primeiro orador inscrito foi o cacique Raimundo Benício, o “Arigó”, líder da Comunidade Indígena Ticuna Novo Paraíso, localizada no município de São Paulo de Olivença. O cacique subiu na tribuna, posicionou o microfone e disparou:
- Índio morre por causa de branco safado, que promete, promete, promete e engana índio – começou. “Aquele ali sabe, índio não mente”, continuou o cacique, apontando para o deputado Lupércio Ramos. “Ele vai tribo, nós junta povo, ele promete gerador pra tribo, promete moto-serra pra tribo, promete barco alumínio pra tribo. Nós vota nele, ele ganha deputado, nunca mais volta tribo. Nós morre de raiva, morre sim. Branco muito safado, muito mentiroso, muito picareta. Ano passado, deputado Luperço pega índio e ó (o cacique fez o sinal de top-top com as mãos) no rabo da gente”.
O deputado Beto Michilles, líder do governo, sai em ajuda do colega:
- Cacique Arigó, o senhor está ferindo o regimento interno desta casa com o seu tratamento descortês ao nobre deputado Lupércio Ramos. Eu gostaria que o senhor se limitasse aos fatos que o trouxeram a esta Casa Legislativa.
O cacique fica mordido:
- Branco tudo igual. Cacique falar verdade, branco não deixa. Mas ticuna tem palavra. Um dia deputado Luperço vai voltar tribo, vai sim. Nós junta povo e ó (o sinal de top-top de novo) no rabo dele.
Arigó foi retirado da tribuna pelos seguranças.