terça-feira, agosto 24, 2004

O Armagedon de Tabatinga

Em 1988, o governador Amazonino Mendes viajou para Tabatinga, para participar da inauguração de uma caixa d’água em um bairro da periferia. Seu motorista e assessor especial para assuntos pirotécnicos, Paulão, havia sido despachado uma semana antes, tendo como missão produzir a maior queima de fogos de artifício da história do município. Paulão escolheu o local (o pátio de um colégio, distante uns quinhentos metros de onde seria realizado o comício) e, pacientemente, pôs-se a montar a geringonça. O primeiro disparo seria de um morteiro carioca de repuxo, que acionaria uma seqüência de morteiros do tipo “Vesúvio brilhante”, “Vulcão tremulante com assobio”, “Vulcão maravilhoso gigante”, “Relâmpago”, “Doze por um” e “Universal”, intercalados com “Buquê de noiva”, “Cores tremulantes”, “Fonte de pérolas”, “Chuva de ouro” e “Chuva de prata”. No grand-finale, Paulão detonaria uma granada de mão comprada no mercado negro.

Na hora da festa, 10 mil pessoas acotovelavam-se na frente do palanque, impedindo qualquer possibilidade de contato visual entre os oradores e o fogueteiro. Pra completar a tragédia, o locutor oficial era fanho e o sistema de som de quinta categoria. Paulão subiu numa mesa e ficou tentando ouvir o que os oradores diziam. A balbúrdia da multidão não deixava. O tempo ia passando quando, de repente, depois de uma série de elogios rasgados, o locutor fanho abre o pulmão:

- E agora, para falar com vocês, ele...ele...ele... o vereeeeeadooooooor Faaaaaaaantino!!!!!

Lá de onde estava, Paulão entendeu nitidamente “governaaaaaadoooooor Amaaaaaaazonino” e acendeu a mecha. A explosão que se seguiu foi digna de um fim de mundo, em superprodução de George Lucas. Foi como se dez mil Vesúvios tivessem acordado para vomitar fogo não sobre Pompéia, mas sobre a Itália inteira. A sensacional queima de fogos continuou por quase dez minutos. A noite virou dia, com tantos fogos coloridos riscando o céu. Beatas se prostravam ao solo pedindo clemência. O 5º Batalhão Especial de Fronteiras ligou a sirene antiaérea pensando tratar-se de um bombardeio das FARC. Crianças começaram a falar línguas estranhas. Inimigos irreconciliáveis se abraçavam, chorando e rogando perdão. Protestantes brandiam a bíblia para o alto, exorcizando as legiões do Mal. No palanque, o vereador Fantino, presidente da câmara, tremia dos pés à cabeça, em estado de choque. O prefeito Joel olhava para o vereador com um misto de admiração, ódio, inveja e rancor. O governador Amazonino Mendes, percebendo o que acontecera, simplesmente ficou catatônico.

Quando finalmente o pandemônio foi controlado e o locutor fanho anunciou o nome do governador para discursar, não se ouviu, sequer, o barulho de um mísero peido-de-velha. Os poucos populares que não haviam fugido para o refúgio sagrado do lar, ficaram com medo de bater palmas e despertar o demônio de novo. Foi triste, muito triste. Parecia velório de indigente. Paulão só não voltou a nado de Tabatinga porque, previdente como sempre, já havia comprado uma passagem em barco de linha. Mas durante várias semanas, ele foi tratado como um cão hidrófobo nas rodinhas de dominó na casa do governador.

Folclore Político Amazonense, Simão Pessoa.