segunda-feira, agosto 30, 2004

Patrick Motta tinha razão...

...Um ex-qualquer-coisa não pode prestar.

Foto : A CríticaUm corno chamado Cornelius Horan, ex-padre irlandês, provou neste domingo que alegria de pobre dura pouco. Num suposto ato de protesto contra Israel, o corno, fiel seguidor da Cabala da Madonna, não gostou do que dizia o número de inscrição (1234) do nosso espetacular, melhor do mundo, voador maratonista Wanderlei Cordeiro de Lima, e empurrou o brasileiro para fora da pista. Um amigo meu, usuário de THC in natura, jura que viu o brasileiro ser atacado pelo Coringa e ser socorrido pelo Papai Noel. O Batman vinha logo atrás, de bicicleta, mas não teve tempo de usar o cinto de utilidades. Meu amigo ainda não se conforma. Não com o bronze do brasileiro, mas com a falha do morcegão. Logo na maratona, a principal prova dos jogos... O Brasil bateu o recorde de medalhas de ouro. Quatro. Como sugestão para melhorar esse resultado em Pequim, sugiro a inclusão do dominó nos jogos. Ora, se tem atleta recebendo medalha aos prantos por ganhar um torneio de pingue-pongue, eu acho justíssimo incluir o dominó nessa. Futebol de praia também. Não tem a chatice do vôlei de praia? É só fazer um lobbyzinho. Por que as americanas conseguiram uma medalha de ouro fixa no softball, um esporte que só elas praticam? Lobby. A gente mandava uma garrafas de uísque pro pessoal do COI (eles já provaram ser do balacobaco antes) e uns telões da Zona Franca. Já consigo até ouvir o Datena urrando nos nossos ouvidos: "Os americanos paaaassssaaaaammmm!!!! O Brasil bate viiiiiiiinte!!!! O Brasil afunda, afunda, afuuuuuuunda a mesa adversária!!!".

As melhores crônicas sobre O Nada.

Foto: Alexandre VidalInteressante ver a creme de la creme da inteligência brasileira fazendo campanha contra Michael Moore. Em meio às acusações de manipulação e maniqueísmo no seu Farenheit 9/11, o que sobra é a sensação, em mim recorrente, de que a futilidade dessa gente instruída não tem fim. Procuram erros de métrica e rima em canções populares, nada mais que isso. Têm preguiça, ou medo, de falar, enfim, de coisa séria vez por outra. Basta ler os mais festejados colunistas do país, que nos brindam semanalmente com suas crônicas sobre a vizinha que troca de roupa em frente à janela, sobre as agruras da vida de escritor trazidas pela tecnologia (quem disse a esses caras que é charmoso fingir ter saudade das máquinas de escrever, hein?) ou sobre as caminhadas no calçadão de Ipanema. É claro, escrever toda semana, para um escritor, deve ser difícil demais. Vivem num país em que, por motivos óbvios, é feio fazer parte da grande opinião pública. Precisam ser irreverentes, ácidos, polêmicos, cínicos, senão não são lidos, comentados. Dividem-se em consagrados-e-preguiçosos e iniciantes-e-exagerados. Michael Moore mostrou muita coisa interessante, poderia ter mostrado muito mais, e de maneira mais bem escolhida. Mas as cabeças pensantes daqui estavam ocupadas com o ofício sagrado de contradizer o óbvio. Por eles o juiz teria mandado o Baggio cobrar novamente o pênalti em 94, porque o Taffarel havia saído da sua linha. Neles está a inteligência, sim, de perceber que o que vale não é o que você vende, mas como você vende. Ou seja, fale besteira mesmo. Use citações aos montes, gírias da The New Yorker e tiradas em francês – pode ser em inglês também. Mas nunca esqueça do principal: fale besteira. Não foi pra isso que você leu tanto James Joyce e Samuel Beckett?

terça-feira, agosto 24, 2004

O Armagedon de Tabatinga

Em 1988, o governador Amazonino Mendes viajou para Tabatinga, para participar da inauguração de uma caixa d’água em um bairro da periferia. Seu motorista e assessor especial para assuntos pirotécnicos, Paulão, havia sido despachado uma semana antes, tendo como missão produzir a maior queima de fogos de artifício da história do município. Paulão escolheu o local (o pátio de um colégio, distante uns quinhentos metros de onde seria realizado o comício) e, pacientemente, pôs-se a montar a geringonça. O primeiro disparo seria de um morteiro carioca de repuxo, que acionaria uma seqüência de morteiros do tipo “Vesúvio brilhante”, “Vulcão tremulante com assobio”, “Vulcão maravilhoso gigante”, “Relâmpago”, “Doze por um” e “Universal”, intercalados com “Buquê de noiva”, “Cores tremulantes”, “Fonte de pérolas”, “Chuva de ouro” e “Chuva de prata”. No grand-finale, Paulão detonaria uma granada de mão comprada no mercado negro.

Na hora da festa, 10 mil pessoas acotovelavam-se na frente do palanque, impedindo qualquer possibilidade de contato visual entre os oradores e o fogueteiro. Pra completar a tragédia, o locutor oficial era fanho e o sistema de som de quinta categoria. Paulão subiu numa mesa e ficou tentando ouvir o que os oradores diziam. A balbúrdia da multidão não deixava. O tempo ia passando quando, de repente, depois de uma série de elogios rasgados, o locutor fanho abre o pulmão:

- E agora, para falar com vocês, ele...ele...ele... o vereeeeeadooooooor Faaaaaaaantino!!!!!

Lá de onde estava, Paulão entendeu nitidamente “governaaaaaadoooooor Amaaaaaaazonino” e acendeu a mecha. A explosão que se seguiu foi digna de um fim de mundo, em superprodução de George Lucas. Foi como se dez mil Vesúvios tivessem acordado para vomitar fogo não sobre Pompéia, mas sobre a Itália inteira. A sensacional queima de fogos continuou por quase dez minutos. A noite virou dia, com tantos fogos coloridos riscando o céu. Beatas se prostravam ao solo pedindo clemência. O 5º Batalhão Especial de Fronteiras ligou a sirene antiaérea pensando tratar-se de um bombardeio das FARC. Crianças começaram a falar línguas estranhas. Inimigos irreconciliáveis se abraçavam, chorando e rogando perdão. Protestantes brandiam a bíblia para o alto, exorcizando as legiões do Mal. No palanque, o vereador Fantino, presidente da câmara, tremia dos pés à cabeça, em estado de choque. O prefeito Joel olhava para o vereador com um misto de admiração, ódio, inveja e rancor. O governador Amazonino Mendes, percebendo o que acontecera, simplesmente ficou catatônico.

Quando finalmente o pandemônio foi controlado e o locutor fanho anunciou o nome do governador para discursar, não se ouviu, sequer, o barulho de um mísero peido-de-velha. Os poucos populares que não haviam fugido para o refúgio sagrado do lar, ficaram com medo de bater palmas e despertar o demônio de novo. Foi triste, muito triste. Parecia velório de indigente. Paulão só não voltou a nado de Tabatinga porque, previdente como sempre, já havia comprado uma passagem em barco de linha. Mas durante várias semanas, ele foi tratado como um cão hidrófobo nas rodinhas de dominó na casa do governador.

Folclore Político Amazonense, Simão Pessoa.

segunda-feira, agosto 23, 2004

Parabéns, Daiane. De verdade.

Fiquei sabendo que Daiane dos Santos errou em sua apresentação na final olímpica da ginástica de solo. Ficou em quinto e não foi pro pódio. Ainda não sei quem narrou, mas algo me diz que foi o Galvão Bueno. E começo a pensar que Daiane, como tantos e tantas outras - e não só do Brasil -, funciona melhor sem as tietes (leia-se jornalistas compatriotas) a tiracolo até no banheiro. Tanto que foi campeã mundial sem ficarmos sabendo. Portanto, que tal tirarmos o microfone de cima da baixinha e deixar ela dar os saltos dela em paz?

Como bem disse Arnaldo Branco, triste o país que precisa de heróis. Já é tão difícil encontrar um encanador que preste...

PS.: Eu estava, sim, torcendo pela Daiane.

Operação Zangão

Sugestão para o desafogamento do trânsito da cidade por uma semana:

Decretar a prisão preventiva de quem usa o adesivo da abelinha no pára-brisa. Assim, os donos de metade da frota da cidade ficariam em cana, prestando esclarecimentos. Não ia durar muito, claro, só o tempo pro Habeas Corpus. Mas que ia ser uma semana linda, isso ia.


E como eu dizia...



O sueco Christian Olsson, um Pelé do salto triplo, que na foto ostenta o recorde mundial, fez 17,79m, ontem, nas olimpíadas. O segundo colocado era ele mesmo, com 17,69m. O mortal a seguir estava quase meio metro atrás. Quatro posições depois, em quinto, Jadel Gregório fez 17,27m. Narração do jornalista da Bandeirantes:

Esse sueco é o adversário a ser batido! E está no mesmo nível de Jadel Gregório!

Cadê o John Stossel pra dizer "Give me a break!", pelamordedeus?!

sexta-feira, agosto 20, 2004

O fim diário de um mito

Quando eu assistia os vídeos antigos do Elvis e dos Beatles, imaginava como deviam ser loucos aqueles tempos, os anos 60. Meninas em prantos, gritos, histeria, tumulto. Acho que era inveja de quem viu aquilo. Mas nada acontecia desde então. Até que, em 1982, um garoto assombrou o mundo, com um álbum que venderia 60 milhões de cópias e com uma dança nada parecida com o que o mundo conhecia. Desse álbum sairiam músicas que, ao longo dos dois ou três anos seguintes, se revezariam no topo das paradas de todo o planeta. Eu vi meninas e meninos desmaiando, chorando, berrando, mesmo em frente à tevê. E já naquele distante 82 eu vi que algo grande acontecia, como um show de Elvis ou como a chegada dos Beatles aos EUA. Era algo sobre o que iríamos falar durante décadas, dava pra sentir. Mas hoje nada ilustra melhor a tristeza da história desse garoto do que uma busca por imagens suas no Google. Entristece, porque acima das culpas, da bizarrice e das algemas, ninguém mais consegue enxergar o que está ali, embaixo daquele nariz postiço, daquela expressão mórbida, infeliz, assustada. Elvis morreu como o rei que foi. Os Beatles acabaram como o furacão que foram. Esse garoto não, acaba todo dia, lentamente, na melancolia de um homem quebrado, desfigurado e pisoteado. É uma pena que tanta gente não tenha visto, como eu vi, História acontecendo. Já são 22 anos desde que aquilo aconteceu. O gênio morreu. Ficou uma carcaça doente, morta no meio da rua, sendo esmagada diariamente pelos pneus alheios e por sua própria doença. A nós, mortais, cabe apenas esperar, sem perceber, que ele morra, afogado como Jim Morrison e Jimi Hendrix, mas na própria loucura e nos próprios demônios, para que voltemos a escutar Billie Jean, Thriller e Beat It.

quinta-feira, agosto 19, 2004

Olha a boca, matuto!

Em 1999, o comediante Pedro Bismarck foi convidado pelo Governo do Estado para estrelar alguns VTs institucionais da extinta Cosama, visando melhorar a imagem da empresa junto aos consumidores. No ano anterior, na pele do matuto Nerso da Capitinga, Pedro Bismarck havia virado o jogo político em Goiás. De azarão, quando foram divulgadas as primeiras pesquisas, o deputado Marconi Perillo acabou derrotando o franco-favorito senador Íris Rezende, que detinha 70% das intenções de voto. Perillo conquistou o governo graças, principalmente, ao talento histriônico de Nerso da Capitinga. Com sua genialidade de matuto ladino, o âncora do programa político do deputado tucano acabou se transformando no mais fantástico fenômeno de marketing da eleição.

Pedro Bismarck chegou na casa do governador Amazonino Mendes durante o almoço e encontrou o "cabôco" devorando um tambaqui assado na brasa. Alguns aspones estavam reunidos em rodinhas, mas mantendo uma respeitosa distância da mesa do chefe. Feitas as apresentações de praxe, Amazonino convidou Bismarck para sentar-se à mesa e entabulou um princípio de conversa:

- E então, Nerso, quer dizer que você lascou mesmo o Íris Rezende?...

O cavalo baixou no santo. Bismarck incorporou o matuto e mandou ver:

- E num lasquei?, rê, rê, rê, e num lasquei?... Nós fez foi pouco dele, ora se fez... Tiramo o couro do disgramado, esticamo sem pena e batemo, batemo, batemo... Coitadim do bronco, apanhou mais do que boi ladrão...

O governador insistiu:

- Foi mesmo? Pois então me conte os detalhes...
- Ah, no primeiro programa eu punhei uma panela em cima da mesa, assim (Nerso foi direto na panela de baião-de-dois) e aí, comecei a mexer (e Nerso foi mexendo o baião-de-dois) e falar: aqui está o home, a mulher do home. Tá tudo numa panela só, há 16 anos. Vamo quebrar essa panela (e fez menção de que ia jogar o baião-de-dois no chão).

Amazonino quase engoliu uma espinha. De costela. Os aspones se aproximaram da mesa. Nerso não deu a mínima e continuou:

- Depois de uma semana, o TRE proibiu a panela. Eu entrei no programa seguinte com a panela na cabeça, como um chapéu de ferro. Aí falei: o home já foi duas vezes governador, já foi duas vezes senador, já foi prefeito, já foi deputado, já foi não sei o quê, isso e aquilo. Ta pensando o quê? Que isso aqui é Jurrasi Parki, pra ser governado por um dinossauro? É isto o que ele é, um dinossauro...

O governador parou de almoçar. Nerso, que não conhecia nada sobre a política local, insistiu:

- O senhor também não acha que 16 anos no poder é coisa de dinossauro?

Apesar da saia justa, Amazonino, que estava no poder há 18 anos, tentou uma saída honrosa:

- Já que você falou em dinossauro, como está o Zé Bonitinho, da Escolinha do Professor Raimundo?...

E a conversa ganhou novo rumo. Nerso da capitinga, claro, foi detonado previamente e não estrelou nenhum VT da Cosama.

Folclore Político Amazonense, de Simão Pessoa

quarta-feira, agosto 18, 2004

Os heróis da mediocridade

Foto: UOL

A cada dia de olimpíada simpatizo mais com a idéia da FENAJ, a Federação Nacional de Jornalismo, que iria "regular" a atividade no país. Como passo o dia fora e não posso assistir aos jogos, leio as notícias. Aí me sinto enganado, feito de otário, leitor e espectador de jornalistas em transe. É uma patriotada só. Ouvindo o rádio, vendo tevê ou lendo jornais, sérios ou não, de papel ou virtuais, a impressão que tenho é a de que o Brasil vai vencer as Olimpíadas 2004. Aliás, é sempre assim. Mas dessa vez tá demais. Até recursos de slow motion e ângulos exclusivos os jornalistas brasileiros instituíram para analisar, estudar, registrar os duplos twists carpados da Daiane. Quando a coitada quase caiu ao aterrissar, no final de sua performance mágica, tremenda, estupenda, melhor do mundo!, voadora!...

rrahn-rrahn... Desculpe... Me empolguei...

pois é, deu até vergonha de dizer "Ih, ela foi péssima!".

Duas medalhas de bronze. É o saldo da maior delegação brasileira de todas as olimpíadas. E a Fátima Bernardes ainda consegue sorrir depois de relatar o saldo diário dos brasileiros. Por um princípio de redação, para não se tornar maçante, deve-se evitar repetir verbos e adjetivos em períodos longos. É por isso que fica mais ou menos assim: "Guga foi eliminado na estréia, Saretta não passou da primeira fase, o boxeador Fulando da Silva debutou com derrota, o mesa-tenista Cláudio Oyama está fora dos jogos...”

Se depender dos jornalistas brasileiros, vamos voltar sem medalha nenhuma, ovacionados nos aeroportos, como heróis nacionais. E que viva o Brasil! Batemos recordes sul-americanos! Tudo bem, chegamos em 12º nas classificatórias e ficamos de fora das finais. Mas que final o quê! Batemos os recordes sul-americanos!

Agora é torcer para o vôlei e pro Robert Scheidt. Se bem que, ganhando ou não, somos todos brasileiros. A festa está garantida.

* * * *

Atualização às 9:47

Falando em FENAJ, acabei de ver essa no Mau Humor, também linkado aí do lado:

"Aí, se esse conselho de Jornalismo regular o número de vezes a que o Jabor tem direito de escrever 'utopias perdidas da minha geração', tem conversa."

Perfeito. Viu Marco, alguém concorda comigo.

segunda-feira, agosto 16, 2004

Arigó e o nobre deputado Luperço

De Folclore Político Amazonense, de Simão Pessoa.

Dezembro de 1995. o deputado estadual Eron Bezerra encaminha um requerimento à mesa diretora da Assembléia Legislativa solicitando uma sessão especial com os caciques Ticuna, para investigar as possíveis causas da alta taxa de suicídio entre os índios. Espalhados ao longo da região do alto e médio Solimões, próximo da fronteira com o Peru e a Colômbia, os cerca de 30 mil Ticuna vivem até hoje as conseqüências e dilemas da integração. Em 15 meses, de setembro de 94 a novembro de 95, foram registrados 10 casos de suicídio entre eles. Na sessão especial, o primeiro orador inscrito foi o cacique Raimundo Benício, o “Arigó”, líder da Comunidade Indígena Ticuna Novo Paraíso, localizada no município de São Paulo de Olivença. O cacique subiu na tribuna, posicionou o microfone e disparou:

- Índio morre por causa de branco safado, que promete, promete, promete e engana índio – começou. “Aquele ali sabe, índio não mente”, continuou o cacique, apontando para o deputado Lupércio Ramos. “Ele vai tribo, nós junta povo, ele promete gerador pra tribo, promete moto-serra pra tribo, promete barco alumínio pra tribo. Nós vota nele, ele ganha deputado, nunca mais volta tribo. Nós morre de raiva, morre sim. Branco muito safado, muito mentiroso, muito picareta. Ano passado, deputado Luperço pega índio e ó (o cacique fez o sinal de top-top com as mãos) no rabo da gente”.

O deputado Beto Michilles, líder do governo, sai em ajuda do colega:

- Cacique Arigó, o senhor está ferindo o regimento interno desta casa com o seu tratamento descortês ao nobre deputado Lupércio Ramos. Eu gostaria que o senhor se limitasse aos fatos que o trouxeram a esta Casa Legislativa.

O cacique fica mordido:

- Branco tudo igual. Cacique falar verdade, branco não deixa. Mas ticuna tem palavra. Um dia deputado Luperço vai voltar tribo, vai sim. Nós junta povo e ó (o sinal de top-top de novo) no rabo dele.

Arigó foi retirado da tribuna pelos seguranças.

Jokka Loureiro

Fui sábado na casa do Jokka Loureiro comer meu tucunaré frito. Não vou fazer muita propaganda pra não dar muita gente. A casa do Jokka é uma peixariazinha, bem jitinha, encravada no bairro de São Raimundo. Tem 8 a 10 mesas, cerveja mais gelada que bunda de pingüim e o melhor jaraqui frito da cidade. O dono do gabinete é figura querida, provavelmente porque é mais grosso que papel de embrulhar prego. Não hesita em chamar clientes acompanhados de “corno” ou em convidar a se retirar quem só vai pra beber. Coisa fina. Dois rapazes estavam almoçando e, quando terminaram, pediram mais cerveja e ficaram batendo papo. Chamando a atenção de todos, o Jokka perguntou ao casal: “E aí, vocês são namorados mesmo, é? Vou colocar um Biafra aqui pra vocês!”. Havia gente esperando mesa há meia hora, coisa de restaurante fino. Os dois levantaram, provavelmente pensando em nunca mais voltar. Até voltarem na semana seguinte, com certeza. Bom, comi o tucuna porque não tinha jaraca. A Hellen comeu um pacu e a minha mãe um cará. Seguindo a tradição, o Jokka vai às mesas contar as últimas e trocar umas gentilezas com os clientes. Com a finesse que Deus lhe deu, olhou pra gente e disparou:

“Pois é Ismael, tudo o que não presta começa com ‘P’, já viste? Político, preto, paraense, parente, padre, pastor, paulista, puxa-saco, professor, pagodeiro, padrinho...”

E por aí seguiu uma longa lista. No recinto havia dois afro-brasileiros (é assim a nomenclatura?), pelo menos um paraense e três pagodeiros, além de umas meninas simpáticas. Ah, sim, havia um casal que parecia paulista, além dos próprios filhos do Jokka e da minha mãe, professora. Enfim, quase todos foram homenageados. Resultado? a gargalhada foi geral. Na casa do Jokka, esteja pronto pra ser sacaneado, faz parte do serviço. E do sucesso do cabôco. Mas as meninas simpáticas eu acho que ele poupou. “Só o que presta com ‘P’ é puta, Ismael”. Lindo.

sexta-feira, agosto 13, 2004

E nasce uma estrela...

Trecho do ótimo livro "Folclore Político do Amazonas", de Simão Pessoa.

Foto: Amazonas em Tempo

Abril de 1982. Reunidos em torno de uma garrafa de uísque paraguaio, três empresários da construção civil em situação pré-falimentar fazem especulações sobre o futuro político do Amazonas. “Para governador, eu vou apoiar a candidatura do Josué Filho, do PDS, a pedido do Josué Cláudio de Souza, que é meu amigo há muitos anos”, confessa Ézio Ferreira, dono da construtora Solo. “Eu estou me inclinando a apoiar Gilberto Mestrinho, do PMDB, a pedido do empresário Adib Mamede, que é meu amigo há muitos anos”, diz Amazonino Mendes, dono da construtora Arca. “Eu ainda não me decidi, mas, sei lá, acho que vou acabar apoiando os dois”, ironiza Porfírio Almeida, dono da construtora Rodal. Os três firmam um pacto de cavalheiros. Fosse quem fosse o eleito, quem estivesse ao lado do vencedor evitaria que os demais fossem discriminados nas licitações de obras públicas que seriam orquestradas pelo Estado. Na eleição de novembro, mestrinho derrota Josué Filho e conquista o governo do Estado pela segunda vez. Em dezembro, o empresário Ézio Ferreira telefona para Porfírio Almeida, sem esconder a euforia:
- Mano velho, nem te conto a maior! O Adib Mamede e o João Tomé Mestrinho estão trabalhando duro nos bastidores para o Amazonino ser o novo prefeito da cidade!
- Ah, corta essa, Ézio! – rebate Porfírio. “É mais fácil um boi voar do que o governador Gilberto Mestrinho nomear o Amazonino como prefeito de Manaus...”
No início de janeiro de 83, Ézio dispara um novo telefonema para Porfírio:
- Mano velho, tu não vais acreditar! O boi voou...
Porfírio quase caiu para trás. Gilberto Mestrinho acabara de sacramentar a nomeação de Amazonino Mendes para prefeito de Manaus, dando início a uma das mais vertiginosas carreiras políticas do estado do Amazonas.

Ah, os filmes americanos...


Tom Cruise, um capitão americano, traumatizado com os horrores do que fez aos índios americanos, cai na bebedeira. Entre uma garrafa de uísque e outra, vai ao Japão, ensinar aos milenares samurais os valores da América.

Pois é, mas tudo bem. Você sabia que já há uma categoria nas locadoras de vídeo chamada “Tom Cruise”? Explicando melhor: sabe aquela seção da loja de CDs da Bemol exclusiva pro Roberto Carlos? É por aí. Quando você for à locadora, esqueça os dramas, os suspenses, os faroestes. Pegue pelo menos dois Tom Cruises. Aí me diga se os filmes não são todos o mesmo. Quer ver?

1 - Top Gun: Tom Cruise é um piloto de avião. Ele é muito bom, mas um trauma o impede de ser o melhor. Ele se apaixona por uma mulher que o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo.

2 - Dias de Trovão: Tom Cruise é um piloto de automóveis. Ele é muito bom, mas um trauma o impede de ser o melhor. Ele se apaixona por uma mulher que o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo.

3 - Coquetel: Tom Cruise é um barman. Ele é muito bom, mas um trauma o impede de ser o melhor. Ele se apaixona por uma mulher que o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo.

4 - Jerry Maguire: Tom cruise é um agente de atletas. Ele é muito bom, mas depois de ser demitido, fica traumatizado, e este trauma o Impede de ser o melhor. Ele se apaixona por uma mulher que o ajuda a superar, E no final ele alcança seu objetivo.

5 - Rain Man: Tom cruise é um importador de carros, um empresário. Ele é muito bom bem-sucedido, mas um trauma o impede de ser mais feliz. Ele se apaixona por uma mulher e encontra seu irmão autista que o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo.

6 - Vanilla Sky: Tom Cruise é dono de uma editora. Ele é muito bom, mas um acidente o impede de se manter como o melhor. Ele se apaixona por uma mulher que o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo. Mas descobre que é tudo um sonho.

7 - A Cor do Dinheiro: Tom Cruise é jogador de sinuca. Ele é muito bom, mas sua arrogância o impede de ser o melhor. Até que Paul Newman aparece e o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo.

8 - Questão de Honra: Tom Cruise é um advogado. Ele é muito bom, mas um trauma o impede de ser o melhor. Ele se torna amigo de uma outra advogada que o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo.

9 - Minority Report: Tom Cruise é um policial do futuro. Ele é o melhor, mas uma conspiração o coloca sob suspeita. Ele seqüestra uma paranormal que o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo.

10 - De Olhos Bem Fechados: Tom Cruise é um médico. Ele é muito bom, mas depois de ser quase traído pela mulher, fica traumatizado. Ele se mete em orgias e não se dá bem. Isso o ajuda a superar seu trauma, e no final ele volta para a mulher. Só muda um pouco porque é do Kubrick.

11 - A Firma: Tom Cruise é um advogado, mas ao cair em uma rede de intrigas proporcionada pelo mega-escritório em que trabalha, adquire um trauma que o impede de se tornar o melhor. Com a ajuda de sua apaixonada esposa, consegue alcançar seu objetivo.

12 - Entrevista com o Vampiro: Tom Cruise é um vampiro fodão. Ele é muito bom, mas a chegada de um novo vampiro o traumatiza, quase matando-o. Ele se apaixona pelo vampiro e no final alcança seu objetivo.

13 - Magnólia: Tom Cruise é um guru de auto-ajuda machista. Ele é muito bom, mas sua arrogância o impede de ser feliz. Ele encontra seu pai no leito de morte e isso o ajuda a superar, e no fim ele descobre a verdadeira felicidade.

14 - Negócio Arriscado: Tom Cruise é um aluno universitário. Ele é muito bom, mas um trauma o impede de ser o melhor. Ele se apaixona por uma prostituta que o ajuda a superar, e no final ele alcança seu objetivo, virando o cafetão de sua própria mulher.

15 - Nascido em 4 de julho: Tom Cruise é um combatente no Vietnã. Ele é muito bom, mas um acidente o impede de se manter como o melhor. Ele se apaixona por uma mulher, e no final ele alcança seu objetivo, mesmo paralítico.

16 - O ultimo samurai: Tom Cruise é um militar contratado para treinar os japoneses. Ele é capturado e um trauma o impede de se tornar um samurai. Ele se apaixonada por uma japonesa e no final ele consegue seu objetivo.

Já vi isso em vários sites, portanto não posso dizer, com certeza, quem é o autor.

quinta-feira, agosto 12, 2004

Supremo Tribunal de Justiça News

Já que você passa à frente todas aquelas correntes que lhe mandam, com medo de que o seu cachorro morra ou de ficar desempregado caso desobedeça, mande à frente a mensagem desse post. Não vai dar em nada, claro, mas qual delas já deu em alguma coisa?

Esse post é transcrição de um post de 30 de julho, do blog "Club dos Terríveis", que, aliás, é muito, muito bom. Clique no nome ou no link ali do lado direito, em Indicados. Há mais informação lá sobre esse assunto, e sobre muitos outros "assuntos cabôcos", por assim dizer.

* * *

30.7.04
Supremo Tribunal de Justiça News
Por Fran Pacheco

Parabéns, Amazonino Armando Mendes, residente em Manaus, futuro Prefeito desta cidade-sorriso. Hoje, aos 30/07/04, o Inquérito que corria neste egrégio tribunal contra vossa pessoa, movido pelos discípulos de Torquemada do Ministério Público Federal, atinente a crimes previstos na Lei de Licitações Públicas, a popular 8.666, crimes supostamente cometidos na licitação para a reforma do Estádio Vivaldo Lima, tendo como co-réus, entre vasto rol, o Sr. Fernando Franco de Sá Bonfim, que num dia revolto do passado declarou-se seu lustroso testa-de-ferro, o Inquérito acaba de desabrochar em Ação Penal, sob o nº APN 354. Adornando a papelada, as famosas fitas do Bonfim. Parabéns, perseguido estadista! Ninguém ficará sabendo disso.

quarta-feira, agosto 11, 2004

Meninos e Lobos

Mystic River



Quando esse filme foi lançado, eu já tinha desenvolvido minha atual aversão a cinema. Não à arte, mas às salas de cinema, digo. Não fui ver, com a certeza de que alguém perto de mim ficaria ao telefone dando risadas, outro estaria contando o filme em voz alta prum amigo e outro estaria apoiando os pés nos meus ombros, todos ao mesmo tempo. Além disso, apesar de nada ter contra a onda de super-heróis ou épicos que se instalou em Hollywood, não é a minha praia.

Mas filmes com gente de verdade fazem falta. E ver Tim Robins, Sean Penn e Kevin Bacon, dirigidos por Clint Eastwood, dá um prazer enorme. É como passar a vida assistindo os poodles amestrados do Orlando Orfei saltando através de bambolês e depois assistir o Cirque Du Soleil.

Que filmaço...

Enlatado Made in Brazil

Foto: A Crítica

Quando eu era criança e assistia aqueles filmes e seriados americanos, eu pensava, como todos nós, que os bandidos eram aquela entidade puramente má, com as barbas mal feitas, os sorrisos cínicos e as frases de efeito. Claro, como os seriados eram americanos, os bandidos eram mafiosos chineses, traficantes latinos ou terroristas russos. Agentes do FBI, com seus uniformes impecáveis, suas pistolas em punho e seus distintivos brilhosos eram a personificação do bem.

Agora o seriado está bem perto de mim. Os episódios são apresentados a cada 3 meses e as locações são aqui mesmo. O último episódio inédito foi ao ar ontem. “The Albratoz Operation”. Mas eu me decepcionei, aliás, como tenho me decepcionado sempre. Não houve um tirinho, um “freeze!”, uma frase de efeito, nada. Eu só via aqueles policiais saindo com maletas, malotes e computadores das casas dos bandidos. Com a calma de quem sai de férias com a família, organizando as coisas no carro. Nada, nada mais. Portas abaixo, tiros de advertência, lanchas cortando o Rio Negro velozmente, helicópteros seguindo suspeitos pela Ponta Negra, nada. Acho que a PF tocava a campainha das casas, até. As empregadas deviam ouvir um “O dono da casa está?” e ir chamar a patroa pra atender as visitas.

Nossos bandidos não precisam de armas, de dentes podres, de sotaque estrangeiro. Não precisam ser molestados quando crianças ou ter padrastos cruéis. Nos roubam da mesma forma com que são presos, como se saíssem de férias, guardando valises com o nosso dinheiro no porta-malas do carro. É tudo tão marasmódico, tão simples, tão triste... Ninguém se incomoda, ninguém os aponta na rua, ninguém os chama de “filho da puta”, como se faz com gente que anda na faixa correta da rua. Há até uma admiração, um fascínio pela figura do bandido brasileiro. Os homens o apontam, sim, como se tivesse o maior pinto, que come quem quiser, como o único da cidade que tem o último modelo da Aston-Martin, o dono do maior iate da marina. As mulheres também. Dizem até ver um charme naquele político passional, que pode ter tudo e todos, mas que sua suas camisas pólo feito um estivador, fazendo galanteios à nossa burrice nos palanques da periferia. Aqui é assim. Não há o risco de se ser baleado, perseguido, humilhado por enxames de repórteres. Aqui não há contas secretas, conexões com a máfia siciliana, com a Yakuza, com o Cartel de Cali. Dois milhões estão lá, em espécie, verdinha sobre verdinha, guardados nos cofres das mansões. Chegam em maletas, em sacolas, nos carros dos bandidos. Saem em maletas, em sacolas, nos carros da PF. Vou seguir a fórmula. Não há frase final, desfecho pro texto, sacada inteligente, tirada irônica. É assim. Ponto.


terça-feira, agosto 10, 2004

Da série Isso aqui ô-ô...

Foto: Museu Carmen Miranda


...é um pouquinho de Brasil, iá-iá...

Mais uma passadinha da Polícia Federal por aqui. Mais 20 presos, menos 500 milhões.

Adivinhações do Malfazejo

Antecipando a próxima moda imbecil em São Paulo.

Não aposto se vai pegar ou não. Aposto em quantos dias vai pegar. Eu dou uma semana. Sabe como é, saiu no UOL...

Você não detesta política? Então agüenta.

Foto: A Crítica

Os comícios já pipocam, a pipoca já espoca, os cachorros já latem e as kombis já se espalham. Fogos, luzes, trios elétricos, ruas bloqueadas, vendedores ambulantes, cartazes, sorrisos, penteados, slogans, muito photoshop e muita gente boa. Um dos problemas mais ferozmente atacados é o caos para o qual o transporte coletivo e o trânsito de Manaus caminham. Críticas ao sistema expresso, à EMTU, ao DETRAN...
Ontem o assunto estava na pauta da reunião da câmara de vereadores, juntamente com os problemas que atingem a educação na cidade. Mas dos 33 vereadores da cidade, 23 faltaram ao trabalho. Não discutiram os problemas da cidade porque estavam em campanha, discutindo os problemas da cidade (entendeu?). O presidente da câmara pediu que fossem registradas as faltas e descontados os salários. Os dez vereadores presentes riram da graça e foram embora, 20 minutos depois de chegar ao trabalho. Ah, sim, nenhum assunto importante foi discutido ou votado pelos vereadores manauenses neste segundo semestre.

* * * * *

Achou feio? Então toma.

A CPI do Banestado, que vinha conseguindo elucidar o roubo do nosso dinheiro, encontrou provas de que o presidente do BC tinha relações com doleiros investigados, sonegava impostos e burlava a lei.

Resultado: Estão abrindo uma investigação para apurar quem foi que quebrou o sigilo bancário do figura.

segunda-feira, agosto 09, 2004

Porque o círculo é a perfeição geométrica



No início dos anos 70, um doutor em economia pela Harvard, ex-fuzileiro naval e homem de confiança do Pentágono chamado Daniel Ellsberg, descobriu um documento altamente secreto, produzido pelo alto escalão do governo, em que os falcões da guerra traçavam a história dos trinta anos em que os Estados Unidos estiveram envolvidos com o Vietnã. Nesse documento descobriu que nada menos que 4 presidentes americanos vinham sustentando uma fraude contra o povo americano e principalmente contra o povo vietnamita. Muita mentira foi contada aos americanos, que provam, ao longo das décadas, que a linha que divide o patriotismo e a imbecilidade é praticamente nula. Ellsberg fez cópias do documento, com 7 mil páginas, e o divulgou no The New York Times e no The Washington Post. Desencadeou a maior caçada humana da história americana, foi acusado de traição à pátria e de louco, e os dois jornais foram impedidos de continuar publicando o documento.

No ano passado, o trio de música country Dixie Chicks, que liderava as paradas da Billboard e ganhava mais discos de platina do que a Rede Amazônica já ganhou prêmios Top of Mind, caiu em desgraça. Num show em Londres, uma de suas integrantes usou o microfone para falar mal do presidente Bush. Foram tachadas de traidoras, as vendas despencaram e shows pelo país inteiro foram cancelados. Receberam ameaças de morte de todos os cantos do país, tiveram sua vida investigada e estavam correndo risco de responder a processo. Revistas americanas fizeram montagens em que apareciam abraçadas a Saddam Hussein.

Depois de 23 anos, de 60 mil americanos mortos e de 1,5 milhão de vietnamitas trucidados por Napalm e Agente Mostarda, os americanos se tocaram da merda e se retiraram do atoleiro do Vietnã. Ellsberg foi absolvido pelos crimes de traição e espionagem e os jornais foram liberados pela Primeira Emenda. Nixon caiu com o Watergate e o povo foi pras ruas, fumar maconha, fazer amor e sinais de “V” com os dedos.

Mas e se outra bomba atômica tivesse sido usada pra acabar com a guerra? E se os documentos nunca tivessem vindo a público? E se alguém tivesse “descoberto” algum desvio de personalidade de Ellsberg no consultório de seu psicólogo, que foi arrombado e revirado pelos homens do governo? E se deter o Mal tivesse sido mais fácil? E se as mentiras dos governos levassem a guerras fáceis e limpas, sem baixas americanas? As mentiras teriam importância?

Os americanos nunca foram contra qualquer guerra. Os americanos adoram seu país, e por ele adoram ser enganados por seus governantes. Desde que persuadidos, mandam filhos e netos, orgulhosamente, para as linhas de frente. Adoram guerra, porque nelas são convencidos e lembrados que sempre são o Bem, e isso é muito bom. Qualquer guerra é justa, necessária, correta, desde que a vençam. O Vietnã e o Iraque foram revezes com os quais eles não contavam. Os loirinhos começaram a morrer, e esse foi o único problema. No relatório descoberto por Ellsberg não havia sequer uma linha sobre o genocídio praticado pelos loirinhos, pelos presidentes, pelos secretários de defesa. A guerra do Iraque tinha o apoio da maior parte da população. Hoje, depois de mil loirinhos mortos, são todos contra. E assim foi, é e sempre será. Não importa quantos amarelos morreram, de que forma eles morreram, com base em que mentiras eles foram assassinados. Assim com os iraquianos, afegãos e coreanos.

Impressionante como a história e os erros se repetem. A guerra do Vietnã foi declarada porque um navio americano foi alvejado por navios norte-vietnamitas no Golfo de Tonquim em 64. Mentira. E essa mentira foi usada pelo presidente Lyndon Johnson como motivo para a guerra, a mais longa da América. A América estava ameaçada pelo Mal, que naquela época era o Comunismo. Os documentos foram forjados pelo Pentágono e pela Casa Branca. Até a figura do cientista que põe a boca no trombone foi personagem que se repetiu. David Kelly, inglês que participou das equipes da ONU na busca de armas no Iraque, procurou a BBC para denunciar a manipulação e as mentiras do seu governo. A diferença é que se matou, enquanto Ellsberg ainda hoje faz discursos em livrarias, traçando esse paralelo entre as duas guerras. David Kelly denunciou as mentiras da guerra, como Ellsberg. O caçado foi ele, assim como Ellsberg. O traidor foi ele, assim como Ellsberg.

Ellsberg foi preso em 26 de março deste ano, porque fazia protesto em frente à Casa Branca contra a guerra no Iraque. Ah, junto com ele foram algemadas também duas ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz, Mairead Corrigan Maguire e Jody Williams. Bush não estava na Casa Branca. Estava na Flórida, claro. Reunido com a cúpula militar, claro.

Perdão pelo post longo, perdão por não falar de Lulas, de Amazoninos e de Dirceus. É muito mais fácil falar de um filme hollywoodiano, que todos viram, do que de um documentário iraniano.

A história de Daniel Ellsberg está aqui, aqui e aqui.

E aqui um artigo interessantíssimo.

A maior parte da história está contada em "Segredos Do Pentágono" ("The Pentagon Papers"), estrelado por James Spader, nas locadoras.

A história de David Kelly está aqui.

sexta-feira, agosto 06, 2004

Dica pra sentir náusea de madrugada

Conversa entre o Pastor Jefferson, com prováveis 20 e poucos anos, o Bispo Alfredo e um telespectador, com provavelmente a mesma idade do pastor, por telefone, no programa da Igreja Universal do Reino de Deus, hoje, às 2 da manhã:

- Pastor : Alô, amigo. Que haja sempre luz!
- Telespectador : Amém, pastor.
- Pastor: Que desgraça tem ocorrido na sua vida?
- T: Nenhuma, pastor, amém. Sou aquele rapaz que o procurou na reunião de domingo...
- Pastor: Ah, certo, amigo. Tá ligado?
- T: Amém, pastor, tá ligado! Só queria dizer que as bênçãos têm sido derramadas na minha vida, pastor. As brigas acabaram aqui em casa, com a glória de Deus, amém. Voltei a estudar, deixei as más companhias e parei de usar tóchico.
- Pastor: Que bênção, amigo... E quando a sua vida começou a mudar?
- T: Desde que eu passei a ir a todas as reuniões da igreja, pastor. Amém. Vou às três reuniões do domingo, toda terça e toda quinta.
- Pastor: OK, amigo, que bom que Deus tem feito essas maravilhas em tua vida... Tá na escuta, aí na catedral da Constantino [Nery, centro de Manaus], Bispo Alfredo?
- Bispo Alfredo: Sim, estamos aqui. Estamos orando, eu e os principais obreiros, pelas pessoas que estão em desgraça, procurando a gente nessa madrugada... Qual a desgraça do ouvinte, Pastor Rodrigues?
- Pastor: Nenhuma, Bispo. Estamos falando com um dizimista de Deus, Bispo... As bênçãos já começaram a jorrar e ele já está ungido pelo Espírito Santo... Você é dizimista, não é, amigo?
- T: ... Ainda não, pastor... Estou desempregado e só freqüento as reuniões há nove meses... mas com a graça de Deus hei de começar a ser dizimista logo, logo...
- Pastor: Ih, bispo Alfredo, vai ver é por isso que ele tá desempregado. Sabia amigo?
- T: É...
- Bispo Alfredo: Com certeza! Amigo, deixa eu te falar: eu já estou sabendo que você vem a todas as reuniões da igreja – que bênção, aliás. Mas a reunião importante mesmo é a dos dizimistas, onde todos entram na Casa do Tesouro e devolvem ao Senhor o que devem a Ele. São as pessoas mais abençoadas da igreja, amigo.
- T: Amém, pastor.
- Bispo: Não, bispo, amigo. Mas não diga apenas “Amém, pastor”. A nossa igreja é uma igreja que se move, que não fica parada. Você precisa ser dizimista.
- T: Amém, bispo.
- Bispo: Faça o seguinte: [olhando o relógio] Hoje já é sexta, né? Eu quero que você venha à reunião das três da tarde. O que quer que tenha chegado às suas mãos, qualquer coisa, traga aqui e entregue a Deus. Garanto que segunda-feira você estará com tudo de volta e que logo vai estar empregado.
- T: Amém, bispo.
- Bispo: Amém mesmo, amigo?!
- T: Amém, bispo!
- Pastor: Deus não quer ver você desempregado, amigo. Creia nele e o resto é com ele. Você crê nisso?
- T: Amém, bispo.
- Pastor: Você crê ou não crê?
- T: Creio sim... Mas eu posso ir amanhã, no sábado? É que hoje não vai chegar nada na minha mão...
- Pastor e Bispo: Não, amigo. Venha hoje mesmo! Não precisa ser dinheiro. Traga qualquer coisa. Mas no sábado venha também, com o dízimo que tiver chegado às suas mãos. OK?
- T: Amém, pastor.
- Pastor: Tá ligado?
- T: ...tá...tá ligado, pastor...
- Pastor: OK, amigo. Então vamos estar lá, esperando por você. Até logo e que haja sempre luz!
- T: Amém, pastor.

quinta-feira, agosto 05, 2004

Vale a pena dar uma olhada

Aproveite. Não é todo dia que encontramos algo bom na Internet.

Sinfonia ao som de... Windows! (Domenico DeMasi tem razão quanto ao ócio criativo)
O Pássaro Inicial (Muito Engraçado)
Burro sem rabo
Pra você que se acha grande coisa (Viaje dos confins do universo ao quark do átomo)

Esses links fazem parte da seção "Internet Nota 10", instituído pelo sáite do Millôr Fernandes. Há mais lá, o link está aí do lado, em "Indicados". Todos os créditos para ele.

quarta-feira, agosto 04, 2004

E agora, quem poderá nos defender?

Divulgação Globo

"Deborah Secco foi escolhida para interpretar Sol, protagonista de "América", próxima novela das oito da Globo. Na opinião da autora, Glória Perez, a atriz foi a que se saiu melhor no teste. Ela desbancou Camila Morgado, Giovanna Antonelli, Danielle Winits, entre outras, que estavam cotadas para o papel." (Folha On Line)

Lá vêm Dona Glória e seus personagens com nome de pedra preciosa e de corpo celeste. Isso me permite pôr a imaginação pra funcionar. Quer ver? Pois bem, Sol é uma prostituta sofrida, que carrega na barriga - de aluguel - um clone com problemas cardíacos, encomendado por um casal de ciganos espevitados, caricatos e fúteis. Esse garoto clonado será mote para uma campanha nacional pela doação de órgãos durante metade de cada um dos 3000 capítulos da novela. Receberá o coração de uma moça muçulmana sofrida, escravizada pelo marido, mas também espevitada, caricata e fútil, que morreu de amor por um bundão qualquer, interpretado por outro bundão qualquer, o que significará - no universo paralelo de Dona Glória - que esta reencarnará nele, o menino-copy-paste (El Clon), e por isso o cabôco vai se transformar num clone psicologicamente hermafrodita, e vai se apaixonar por si próprio. Vai haver um núcleo pobre, e artistas como a nova sensação do Brasil Faustoniano, a banda Arrocha, serão convidados para freqüentar o único bar do RJ, o bar cenográfico do personagem que lançará um bordão nacional que atormentará o país durante meses a fio. Um ou mais povos serão medíocre, ignorante e desrespeitosamente retratados, e seus representantes protestarão contra a aclamada autora, que estará em Brasília, recebendo prêmios do presidente por sua colaboração com o programa do Governo Federal de incentivo à doação de órgãos, cuja fila foi furada - segundo a Época - no ano passado pelo vice-presidente José Alencar, em ajuda a uma moça de São Paulo, com leucemia.

Preparem seus estômagos, seus álbuns psicodélicos e seus aditivos lisérgicos preferidos. Ela vem aí.

As notícias da hora

Atualização de 13:00h

A Irmandade da Banca de Fátima
Pentágono sugeriu ataque na América do Sul
Lula já aprendeu a usar o chavão "futrica"
País está no "radar", diz embaixador americano no Brasil
Cientistas descobrem "cervejaria" indígena de mil anos no Peru

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Concorrência Desleal no Vestibular
Bolsa-Família para todos!
Candidato doa a Marta mais do que recebe
Dona Marta e seus dois maridos
Porteiro com faca cega ataca 15 crianças e só mata uma
Equipe desvenda o sumiço da antimatéria
"Surfistas" californianos salvam açaí da Amazônia
Menino criado por cachorro é encontrado
Empresa lança primeira boneca lésbica
Argentino de 9 anos rouba e dirige camionete

terça-feira, agosto 03, 2004

Meia-noite no Jardim do Mal

Uma campanha publicitária, provavelmente de algum órgão ligado ao governo, mostra as histórias de sucesso e superação de alguns sobreviventes de tragédias pessoais como Lars Grael e Herbert Viana. Há tempos eu não via filmes tão tocantes e bem feitos. Talvez devesse me orgulhar da habilidade dos publicitários brasileiros, que devem ganhar mais dinheiro nessa Era Petista do que as empreiteiras da cartilha amarelada dos corruptos de sempre. Os filmes dizem, ao som de Raul Seixas, que o melhor do Brasil é o brasileiro. Pois pra mim o pior do Brasil é o brasileiro. Busco até hoje, entre arquivos Powerpoint com gatinhos e nenês, um que seja mais ingênuo do que um que recebi uma dúzia de vezes que, letra por letra, me dizia que o brasileiro deve sim, se orgulhar do seu país. Damos aula de tecnologia eleitoral, exportamos aviões para o Primeiro Mundo e temos um dos escritores mais lidos do mundo, o maior velejador da Antártica, os melhores jogadores de futebol, o melhor programa de saúde contra a AIDS, entre outras coisas.

Mas sei que os programadores da Microsoft não prepararam seu Powerpoint para suportar a quantidade de slides que eu faria se decidisse dizer porque não devo me orgulhar. Em vez de pequerruchos fofinhos e gatinhos abraçados a cãezinhos, eu buscaria as fotos dos jornais e revistas, eu falaria das obras dos patifes colocados no poder por nossa tecnologia eleitoral for export, eu mostraria mãezinhas abraçadas a filhinhos barrigudos, sem sorrisos porque sem dentes, esperando o Fome Zero chegar. Eu mostraria os sorrisos dos Malufs e Nayas, dizendo "não tenho nada a declarar" e indo embora; eu falaria de Roraima, onde cada casa tem um funcionário público fantasma, de São Paulo, onde notórios ladrões estão no páreo pela prefeitura, de Manaus, onde se oferece 11% de aumento aos servidores em troca de votos e isso ninguém chama de compra de voto. Eu falaria do presidente mais celebrado da história recente do país, que vive às visitas a ditadores de países miseráveis, desfilando, ao som de funk brasileiro, em Rolls-Royces prateados, rodeados por milhares de esfomeados. Eu colocaria todos os zeros dos 2.000.000.000 de reais que foram roubados no Banestado em fonte 32 negritada, caindo zero por zero nas telas. Não mostraria o Zero que os escravos do Pará recebem como salário porque isso não ocuparia um slide inteiro. Eu mostraria os velhos sendo assaltados por operadoras de Planos de Saúde e empresas de transporte; velhos sentados, durante noites numa fila, não para serem consultados, mas para vender o lugar e levar sustento para os filhos desempregados; eu lembraria que 9 pessoas ligadas a Sérgio Naya já receberam indenizações do governo se passando por vítimas, enquanto as vítimas reais se humilhavam, de madrugada, numa agência bancária. Eu mostraria todos os ladrões sendo soltos, sempre de madrugada, por juízes de Direito e mostraria os policiais matando o povo a esmo. Eu levaria o Powerpoint ao limite de sua capacidade, com slides amplamente documentados, gráficos, dados, fotos e - claro - música de fundo. Mas esse é o tipo do arquivo que as caixas postais não suportam. Não vou me arriscar a receber alguma mensagem do tipo "Não há memória suficiente para essa operação". Vou simplesmente dormir e sonhar com o Taiti.

Há quem diga que essas não são exclusividades do brasileiro. Pois sim. Mas, ainda assim, ter orgulho é exclusividade do brasileiro.

Herbert Viana e Lars Grael não sobreviveram porque são brasileiros. Sobreviveram apesar de serem brasileiros. O brasileiro não precisa de auto-estima, precisa de vergonha na cara.

segunda-feira, agosto 02, 2004

JN jogando pérolas aos porcos

Quer saber se seu humor é refinado, inteligente, sutil e elegante?

Tente sorrir com alguma das charges do Chico Caruso no Jornal Nacional.

Se um (um!) músculo do seu rosto sair do lugar, fique tranqüilo: você é, sim, inteligente.

As notícias da hora

Cão farejador morre de overdose
Sim, o Brasil dá lucro. Adivinha pra quem.
Quer ficar antenado? Diga que é cabalista.
Aqui ninguém sai sem pagar!
Pra quem precisava disso: A semana de Daniela Cicarelli
Ah, a América, Land of the Free
Não é arquivo. É notícia de hoje.
Quer saber o que é assumir o risco?

Be cool with those sissies, folks

O Comitê Olímpico Americano está programando palestras de conscientização, nas quais vai mostrar aos seus atletas vídeos que mostram americanos dando demonstrações de arrogância e humilhando concorrentes durante as provas. Assim, como James Carter, na foto da FolhaImagem, chama o brasileiro Eronildes Araújo, que não consegue alcançá-lo na semifinal dos 400 metros rasos de Sydney, em 2000. Na ocasião, o americano foi vaiado pelo público. Grande coisa.



A intenção do Comitê é atenuar o sentimento anti-americano que se alastrou no mundo depois do Bush. Os atletas serão aconselhados a ser mais prudentes em suas demonstrações de alegria. As bandeiras estão liberadas, mas a exibição de bíceps e peitorais serão desaconselhadas, assim como as cenas da foto.

Esse pessoal é engraçado mesmo. Têm um presidente daqueles, injetam anualmente cerca de 9 bilhões de dólares em patrocínios aos atletas, e depois vêm dizendo pra frear a arrogância. É como botar uma Ferrari na mão de um argentino de 18 anos e aconselhá-lo a não demonstrar ser, enfim, um argentino, de 18 anos, dirigindo uma Ferrari. Impossível.

Ah, o comparecimento às palestras é opcional.