quarta-feira, maio 25, 2005

Tobias Schneebaum



Tobias Schneebaum retorna, 45 anos depois, às suas lembranças

“Eu sou um canibal... Não importa para que canto escondido da minha mente eu empurre essas palavras, elas surgem na superfície do meu cérebro como as notícias nos painéis eletrônicos que dão a volta nos prédios da Times Square” – Tobias Schneebaum

O nova-iorquino Tobias Schneebaum teve origem semelhante à de muitos americanos de sua geração. Nascido em 1921 e criado no Low East Side de Nova Iorque, cresceu no Brooklyn, estudou durante algum tempo para tornar-se rabino, mas virou pintor. Nos anos 50, quando já era figura respeitada na cena artística nova-iorquina, admitiu que a rotina de galerias e festas o tornara vazio. Impressionado por fotos de Macchu Picchu e pelo Homem Selvagem de Bornéu, um show que vira numa calçada de Coney Island quando ainda era criança, conseguiu uma bolsa para pintar no Peru. Ali começaria a jornada pessoal que até hoje arrepia e fascina a todos os que dela ouvem. Tobias abandonou os estudos logo depois de sua chegada, quando ouviu falar sobre a tribo Amarakaeri. Munido de mochila e calçando um par de tênis, entrou na mata sem equipamento algum, sem mapa, sem nada. A região, chamada Mãe de Deus, ainda nem existia nos mapas. Tobias tinha apenas uma diretiva: manter o rio à sua direita.

Seria dado como morto, sete meses depois, pelo Departamento de Estado americano. Mas em 1956 Tobias saiu da mata, completamente nu, com pinturas e cicatrizes indígenas por todo o corpo. A partir dali se manteria em silêncio por muito tempo. Seriam necessários 14 anos para que Tobias contasse o que ocorrera naquele ano em que esteve desaparecido. E ele o fez. Contou sobre os rituais tribais de que participou, chocando apresentadores e seus públicos ao falar das experiências sexuais com homens e mulheres da aldeia. Contou, para ouvintes incrédulos, do massacre de que participara, quando “sua” tribo atacou uma tribo inimiga. Depois do massacre, Tobias comera a carne dos mortos junto à tribo Amarakaeri. Perturbado pela experiência, ele decidiria voltar para casa. Assim nascia Mantenha o Rio à sua Direita – Um Conto Canibal Moderno, o livro no qual o tímido historiador, antropólogo e pintor, um judeu homossexual que mal conseguia se livrar de ratos mortos, contava a sua história. Era 1969, e o lançamento do livro pela Grove Press causava frisson na mídia, com várias aparições em programas de auditório. Tobias dizia que “era mais fácil falar de canibalismo do que de homossexualidade”.

Então os cineastas David e Laurie Gwen Shapiro descobriram o livro numa caixa de livros velhos, jogada no lixo duma rua de Nova Iorque. Ao lerem a história de Tobias, viram ali um tesouro escondido e decidiram saber se aquele homem ainda estava vivo.

Quando David e Laurie o encontraram, Tobias ainda dava aulas de pintura, história e antropologia em Nova Iorque, o que o mantinha independente. Então com 79 anos de idade, morava num apartamento que abrigava provavelmente o maior acervo pessoal de arte Asmat. Apesar das três cirurgias na bacia, do furor do Mal de Parkinson e dos conselhos dos amigos e familiares, estava de partida para Nova Guiné, onde encontraria membros da tribo Asmat, razão de seu mestrado em Antropologia. Fora essa especialização pioneira na tribo Asmat o que mantivera o pequeno apartamento nas últimas décadas. Durante as filmagens dessa viagem, David e Laurie o convenceram a enfrentar seus demônios pessoais e voltar ao Peru. Tobias insistia que os Amarakaeri estavam extintos e que não tinha interesse em trazer de volta aquelas lembranças. Depois que David e Laurie lhe disseram que um antropólogo sul-americano confirmara a existência de membros da tribo, Tobias aceitou voltar a Madre de Dios, hoje Parque Nacional Manu. Não só a tribo não estava extinta – contava ainda com cerca de 200 membros – como ainda estavam vivos alguns dos que conheceram Tobias. E eles o reconheceram. É essa a cena mais impressionante de Keep the River on You Right, o premiadíssimo documentário que saiu dessa história. Aclamado pela crítica e pelo público, Keep the River on Your Right é tão comovente quanto bizarro. Arte, amor, sexo, auto-conhecimento, aventura e redenção estão misturados nesta história verdadeiramente incrível.

Tobias continua dando aulas de história para estudantes da Universidade Barnard, onde expõe sua visão controversa sobre arte, sexo e cultura. E ainda hoje, como foi no programa de Mike Douglas em 1969, é impossível não se emocionar e se fascinar com sua história. Como dizem algumas das pessoas que o conhecem, Tobias é um dos homens mais interessantes, enigmáticos e chocantes que já foram documentados.

Assisti metade do filme numa madrugada de dois anos atrás, na HBO, e nunca mais consegui localizá-lo. Se você, que lê isso, tiver acesso a essa jóia, compre o filme e o livro (além de Keep the River..., Tobias também escreveu Wild Man, Where the Spirits Dwell e Secret Places: My life in New York and New Guinea). Mande cópias pra mim, gratifico muito bem.